19 de julho de 2010

Saturno de Goya segundo Benjamin


Dentre a variedade de trabalhos realizados (retratos de personalidade da corte espanhola e de pessoas do povo (A Família Real e A Leiteira de Bordéus), os horrores da guerra (O Colosso) e cenas históricas) por Francisco José Goya y Lucientes (1746-1828) também há temas relacionados à mitologia e sua diversidade de ações incompreensíveis baseada nos monstros (Saturno Devorando um de seus Filhos, 1820-1823). É com apoio da interpretação de Walter Benjamin que será elaborada a iconologia desta obra.

Chronos e Kairos

Apesar dos elementos opostos, historicismo burguês e historiografia determinista socialista convergem, segundo Benjamin, numa concepção linear do tempo como cronologia insossa e numa concepção unilateral da memória, como mero instrumento a serviço de uma vontade de acumulação. A essa concepção de tempo como chronos linear e indiferente, Benjamin vai contrapor uma outra concepção do tempo como intensidade e inovação, retomando a antiga tradição do momento oportuno, do kairos, uma categoria essencial para o pensamento político antigo (saber agarrar o instante decisivo da transformação possível), mas também retórico (saber encontrar o argumento decisivo que consiga persuadir) e teológico (o momento da iluminação e da conversão). Simultaneamente, a concepção da memória se modifica: de mecanismo dócil a serviço de uma intenção consciente, ela se converte em meio de iluminação recíproca entre um passado – até aí esquecido – e um presente concebido como limiar possível de uma transformação existencial, individual ou coletiva, mas também estética ou política estabelecendo a tentativa de uma nova relação com o passado e com a memória.

No quadro memorável de Goya, a Chronos (Saturno), representando o tempo histórico e inexorável contado de forma linear, no qual Benjamin contrapões o conceito de Kairos como a verdade que surge à tona por detrás da máscara elaborada pelos vencedores no momento oportuno de ser revelada. E é através dessa interrupção política e redentora a questionar a temporalidade da história dominante e, igualmente, sua memória dominante. Cria-se o desejo e a possibilidade de um outro tempo e de um outro lembrar a citar a manifestação de jovens índios brasileiros em 2000, por ocasião da comemoração dos 500 anos do “descobrimento”, exemplo paradigmático de uma história escrita pelos vencedores. Armados de arcos e flechas, eles atiraram no gigantesco relógio que a Rede Globo de Televisão havia erguido para contar o tempo oficial do aniversário.

Fonte: Revista Mente, Cérebro e Filosofia

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