30 de março de 2011

Heitor Monte Cristo e o giro no cíngulo








Os velhos pensamentos. Sei muito bem até onde eles me levam. Mas escute! Não é tão fácil assim entender as diretrizes de uma Conspiração Aquariana. Você se perde por entre toda a fé, filosofia e religião que existe dentro de si para somente no final conseguir entender que sempre esteve onde deveria estar:

Em um quarto abafado em uma noite quente de verão cujo o ar-condicionado serve de adorno para não inflacionar o preço da conta de luz, o vento sorrateiramente transpassa pelas janelas num bater de asas. E o zumbido que esse fenômeno faz soa aos ouvidos como se fosse uma linda canção de jazz. Impressão roubada quando tudo está certo e ao mesmo tempo errado a se ver do outro lado o paraíso.

A milhas de distância de casa, nos aposentos da espelunca de um hotel qualquer, o pisca-pisca vermelho do outro lado da rua em um espalhafatoso néon singular deixa bem claro para todos os passantes que aquele estabelecimento, recinto de balbúrdia e ambiente propício para o descanso dos bêbados, definitivamente se trata de um cabaré. Da sacada de uma temporária casa de aluguel, observo os adúlteros e meretrizes com suas vidas infelizes fazendo feições de alegria interpretadas por trejeitos de satisfação quando na verdade uns olham aos outros e todos sabem que poucos dali realmente desejariam ali estar.

Neste local sagrado de baderna e orgia se não fossem os fracassos e derrotas do dia a dia, as fraquezas e destroços do cotidiano, poucos homens ao entardecer da vida escorregariam para lá: Ninguém é feliz de verdade não amando a própria desgraça. E o que esses moribundos fazem é apenas cavar mais um punhado de suas covas com os dentes por entre a carne. Todo dia nasce e morre um novo exemplar deles mesmos enterrados nesse corpo que nada mais é do que um imenso e triste cemitério de esperança.

Aqui estou eu e o meu terno de giz, sapado de gângster, colete de escritor dos anos trintas. Na mão direita um copo gordo, fundo e robusto cheia até a boca do conhaque mais vagabundo e barato desta maldita cidade. Na esquerda se encontra o meu querido e fedorento amado e marginalizado amigo cigarro. Do alto, porém, nem tanto acima da condição dessas pobres almas, vejo o círculo ganancioso deste labirinto de ratos.

Passa da madrugada. Todas as luzes desligadas. No corredor há pouco se podia ouvir algumas pisadas, já não se escuta mais nada. Quando cheguei do mais distante lugar que antes eu imaginava poder alcançar, a primeira coisa que fiz foi tirar as roupas imundas cheias de tártaros, pois queria me livrar de qualquer vínculo com a viagem, com o estofamento do ônibus e aqueles viajantes ordinários. Queria deixar pra trás tudo o que pudesse recordar a última parada. Portanto, me mantive mais de uma hora na banheira toda rachada dessa espelunca em forma de céu sem estrelas. Ao preencher a ficha de hospedagem, flertei sutilmente com a recepcionista loira com ar de ingênua moça do interior só pra ver se ela me dava bola. No fundo não queria nada com ninguém. Esse é um passatempo que me distrai quando estou bastante entediado.

Mas voltando ao banho, não esqueci de ir para dentro da água com meus companheiros inseparáveis. O conhaque barato e o cigarro envenenado, um de cada lado. Mergulhei por horas naquela espuma alérgica de um sabão em pó vagabundo. Sai de lá embriagado com um som de blues ao fundo da alma. Sinos tocavam no horizonte... A luz vermelha hipnotizava.

Me arrumei e pus a melhor roupa como se estivesse me preparando para o meu próprio casamento. Mas antes disso fiz a barba, fiquei me olhando no espelho por ininterruptas horas, pois sabia que na verdade ninguém me esperava. De longe pensei em interfonar a recepcionista pra pedir comida. Mas não! Logo voltei à lucidez, lembrei quem sou e vi que aquele ato em nada combinava. Então achei melhor converter todos os meus centavos em uma coisa mais agradável que tivesse a ver, no mínimo, em quarenta e quatro por cento de álcool. Sozinho o efeito pegava mais rápido.

A vida às vezes parece uma esteira ergométrica nos fazendo correr o tempo todo no mesmo lugar. Quem não percebe morre assim. Então me reclinei no parapeito da sacada. Ébrio, deixei cai um cigarro aceso por entre os dedos longos. Ninguém passava lá embaixo. O tempo durou uma eternidade... Um momento pífio para a posteridade.

Eram cinco da tarde, havia garrafas de conhaque contrabandeado por todo lado. Meu quarto mais parecia um estábulo, eu de pau duro, sem falsa modéstia, um cavalo. Talvez nada deveria ser dito com sinceridade, pois isto aqui é um jogo e ele se estende por todas as partes... Agora me vinha uma puta ressaca. Não se pode confiar em ninguém. Os melhores amigos se tornam os piores; os maiores amores, as grandes derrotas... Ao longe dos tímpanos um saxofone com o som dos gritos desafinados de um pato maltratava os meus ouvidos irritados.

Não adiantou fechar as cortinas, prender lençóis por sobre as janelas. Eu queria fugir e mesmo assim os raios de luz me encontravam. O céu estava vermelho-fogo. Só faltava aparecer por entre as nuvens à prostituta com dores de parto chorado no colo de um dragão. Ainda de convalescença - resquícios do dia anterior -, eu fumava um cigarro atrás do outro, nervoso e trêmulo, desejando o mais rápido que fosse acabar com a carteira na ânsia de que algo a qualquer momento atrapalhasse. No fundo era ela quem me acabava. Se chovesse hoje choveria sangue.

Nunca mais 84 quilos! O passar dos anos faz com que fiquemos perfeccionistas. Agora durmo com as janelas abertas. Quem sabe ela mude de idéia. É este um dos efeitos provocados em mim. Uma vítima a cada disparo. Com o tambor de minha pistola eu seria capaz de dizimar um exército. Eu sinto estar muito longe, mas só são cerca de três horas de viagem.

Ceguei meus olhos, queimei as córneas, e mesmo assim nada mais poderia me impedir de ter visto as cachoeiras, arco-íris e o pote de ouro acompanhado de uma linda mulher! Não sei ao certo se era anjo ou demônio, mas estou convicto de que irei pagar pra ver. Se não der certo, fazer o quê? Deixa fiado! Juro que um dia eu volto e pago.

Com inclinação para a sabedoria, aos dezoito anos eu já tinha aprendido muito mais do que um senhor com sessenta de idade. Pessoas assim sugam ao máximo qualquer forma de experiência vivenciada por elas e pelos outros a sua volta. O tempo, as conjecturas astrais, as intempéries e mudanças de humor. Passamos anos e anos debruçados sobre as nossas próprias emoções e os sentimentos alheios: o jogo do acaso e seus infortúnios oriundos da natureza humana. No final, estamos aptos para viver e desenvolver na pratica um tratado humano próprio ao contrário dos tolos que não têm controle e sapiência de nada. Para estes seres de elevação espiritual, a simples luz do luar e o efeito que ela provoca por detrás da fumaça de alcatrão já lhes dizem muita coisa. Por exemplo, para onde o vento sopra.

Era ao sul do Maranhão e, ironicamente, o DDD (98) aparecia no display do meu celular. Eu não vim aqui fugido da polícia, mas eu sei que eles me grampearam. E por que mesmo um deles me daria a chance de ganhar dez mil reais por mês podendo acumular essa pequena bagatela? Agora vejo que ninguém assim é tão parceiro de verdade.

Ainda desnorteado pelo álcool, horas depois de levantar, um deles vem ao meu encontro. De terno todo engomado, distintivo à mostra, relógio e calçados mais de quinze mil reais; olha para mim e o ambiente em volta, fica alguns segundos analisando a simbiose para no instante seguinte me prestar uma falsa solidariedade como se eu já não me familiarizasse com todas essas manobras militares. Eu finjo cair na armadilha e faço um coro de louvor a essa “bem aventurada” amizade mesmo sem ouvir absolutamente nenhuma estúpida palavra. No fundo sei que ele só veio para saber se tudo ainda está sobre controle e se eu continuo cavando o fosso no qual todos crêem que eu serei enterrado. Só que o que eles não vêem é que há muito eu já entendi as regras, já saltei sobre os seus pescoços e agora faço eles acreditarem em tudo o que eu não quero revelar. Então coloco o despertador para tocar no dia seguinte uma hora mais cedo esperando a visita do pistoleiro com minha arma cromada engatilhada e bem lustrada à noite toda. Esperei todo mundo ficar de porre e fiz essa merda enquanto outros morriam de inveja só porque eu não sentia nada. Otários! Não há construção sem destruição. A barrocada era o inicio da obra e não o triste fim do arquiteto.

Nesta enorme graça mesmo sem palhaço, eu seguia completamente displicente no mundo dos desejos. Sem posses, as coisas que mais quero nas mãos dos outros não me fazem a menor falta. E este é um truque para não morrer pela barriga. Se virem para conseguir me prender pelo saco e cortar meu cabelo! Lutem para desenvolver um plano bem sucedido o suficiente para me pegar desprevenido e me apunhalar pelas costas. Os óculos emitem reflexos.

De posse desta sala de jantar onde só há pratos sujos sobre a mesa e restos frios do banquete de outro dia, o abatimento moral causa calafrios nas entranhas. Descalço, sinto por entre cada camada de pele cascuda dos meus pés o chão gelado me dizer alguma coisa. Ando devagar de um lado ao outro como um animal feroz enjaulado buscando uma maneira de encontrar a liberdade. Enquanto isso, vou driblando baganas apagadas que trazem recordações de outros tempos. Não consigo ficar em pé por muitas horas. O terno, até outrora bem alinhado, agora traz na manga, na gola e por quase toda a parte sobras de comidas que eram pra estar no meu estômago. Sento muito mal acomodado num grande sofá com cobertura de couro avermelhado que aparentar ter sido no passado um belíssimo móvel. Estendo a mão esquerda ao máximo que posso e agarro com a última força mais uma unidade de trago. Após acender, nem meu pescoço consegue ficar reto. Me debruço ao usar como apoio ambos os cotovelos sobre os joelhos, o que me faz começar a pensar tolices do tipo: "Em quantos solos já pisei e nunca mais nasceram flores". Não sou uma pessoa má, não uso a artimanha de se aproveitar das fraquezas dos outros a não ser para demonstrar um jeito fácil de obter melhoras. Material ou não, já me acostumei a ver tudo o que desejo um dia pertencer a mim. Tiro proveito dos meus “defeitos” e por isso venho cada vez mais me tornando vigoroso. O fracasso ou o sucesso depende da leitura que fazemos diariamente de nós mesmos. Mas se não fores predestinado os teus demônios vem e ti devoram.

Com a força que ocasiono para frente, o acolchoado desliza e meu corpo se parti no espaço sem eu fazer a menor reação enquanto percebo a minha cara cada vez mais próxima do chão. Se doeu, não senti nada a não ser a sensação de interpretar a mortalidade como um dos maiores castigos. E os perdidos por entre ela como seres apáticos que arrotam e peidam todos os dias os próprios dejetos que eles são. Exemplares imperfeitos de vida a se esconder na multidão, quando o retorno para a santidade se tornou o maior dos fardos. Um general expulso dos acontecimentos históricos soluçando no meu colo somente porque agora chove e molha quando o sol queima. Nada de grandes planos ou alguém que se espelhe, desconhecendo o próprio torço sem tonalidade e de carnes moles.

Ao sair do quarto escuro em direção a viela e fechar a porta com duas voltas na chave, farejadores estão por toda parte. Num feixe de luz por entre a fresta, a madeira velha solta flepas em um dos meus dedos polegares. Sigo em frente atrás da onda de calor deixada pela vaidade. Nenhum sopro escapa. Vos observo se dissipando em conversas fiadas enquanto puxo uma prosa com a dona da próxima casa.

No centro do sonho persa até o vento maltrata as flores. E em meio a um redemoinho de inconsciência lembrar do passado é pensar como é bom ficar cada dia mais velho. Na terra dos coelhos abundantes, Leão e Castela não negavam um elogio a mais ninguém. Preferem metralhar a se tornarem alvos. Amigo que é amigo repudia inexoravelmente todos aqueles que não aprenderam a controlar a vaidade. Pois do outro lado do muro percebe-se o corpo de Aquiles esquartejado. O ego é uma boneca inflável. Ele é um Sex Shop inteiro! Então, ao ser cortejado, me desvio dos elogios como se eles fossem mísseis teleguiados. Já que as duas coisas não cabem, prefiro ser temido a amado.

Ao amanhecer o dia um novo adultério em colisão com a Terra. Ela passa por mim desapercebida pela calçada e mexe os cabelos loiros em minha direção enquanto eu viro para o outro lado sem necessitar ser adulado. Mas meu ego em estado constante de defesa mesmo querendo chamar a atenção grita bem alto para si mesmo: Isolação! Eu não carrego um espírito tão pobre. No preciosismo da alma dos seres invisíveis que compartilham comigo aquela ruela, muitos necessitam ser notados. Quanto a isso, nada me basta! Tanto faz amanhecer deprimido ou alguém me fazer raiva enquanto o sangue qualha.

De prontidão esperando o sinal abrir na primeira esquina que me aparece, observo de longe a agradável discussão no bar, vítima e vingador! Um nobre de toga nascido em uma ilha perdida num romance para além de toda lei divina ou humana e um marinheiro que acha ter o mar e a crosta dos navios náufragos como única herança estão prestes a se engalfinhar por motivos, creio eu ao longe, serem tolos o bastante para o barulho do trânsito me deixar escutar e os gritos histéricos das raparigas do lugar me permitirem entender. Em meio a tantas pessoas inconfessáveis, um príncipe plebeu e o bom basco, Bonaparte seria um bom confidente.

A contabilizar essa equação incalculável, não havia tempo para se perder com discussões vazias, de dupla verdade. Quem realmente deseja dá logo um soco na boca sem dizer nada. E é assim também que se deve ter zelo pelas amizades, um aperto de mão ou abraço. Mas quando um tiver que ir embora, então que o diabo o carregue! Faço das palavras minhas entranhas: Hoje o seu amor. Amanhã, universo...  Não demora muito, o sinal abre.

Ao continuar caminhando já não aparento mais ser um homem vistoso como o que há pouco chegara neste lixão de pulga que os habitantes chamam de cidade. Na praça, tarde da noite, uns optam por apenas ficarem sentados. Eu, o que segura os raios de sol com os dentes e já pagou a sua penitência, vê tudo aquilo e não suporta mais esse disfarce. No entanto, as circunstâncias me mantêm incapaz de realizar coisas belas quando não sinto a presença divina por entre as frases.

A jogar sobras aos pombos, estranhos casais de namorados ilustram este ambiente como se fosse um jogo dos sete erros. Ao cruzar por eles, percebo nitidamente todas as mentiras dele estampada na cara de felicidade dela. E isto me faz lembrar que não a nada mais lindo no mundo do que uma mulher apaixonada. Nada é mais verdadeiro do que um involuntário sorriso roubado. Se tiver que terminar não devemos nós intervir nos veredictos da sentença do acaso. Desta vez não serei eu o inocente culpado.

Homens gordos, militantes decadentes de uma velha guarda moram nos banheiros públicos imundos dos coretos como se fossem suas próprias casas. Até hoje são capazes de mentir diante do espelho. Encaram bem dentro dos olhos e dizem que fizeram muito bem feito a sua contribuição para a humanidade. Estas traças oriundas de uma maldita permutação da analise combinatória de milhões de espermatozóides, morrem se matando numa rotina entediante do interiorzinho da privada chegando ao trabalho quase 11 horas só porque passaram a madrugada jogando cartas com os vagabundos de consciência limpa da terceira idade e mal conseguem ficar de pé com os seus mais de 150 quilos em uma carapaça de 1,60 de pura ociosidade. O que mais dá raiva é que após merecidamente falecerem, eles ainda serão capazes de estampar um longo sorriso tranqüilizador por toda a eternidade ludibriando a si mesmo ao afirmarem que tudo sempre esteve sobre controle e que eles poderiam ter sido o que quisessem. Filhos de putas! Péssimos tios. Não aprenderam equações randômicas. Desprezam o jogo de probabilidades e o pluridimensionalismo das decisões embasadas. É que quando um homem está preparado e tem que fazer algo não é preciso uma segunda oportunidade. Quem é assim, mil vezes seria igual, e se enganar é a maior prova.

Babões andam em busca de acompanhantes para lhes servirem de guarda-costas. Com apenas uma flecha é dá-lhes o ego em uma bandeja e tão logo ver ele ser despedaçado como se fosse uma maçã no meio da testa. Este é o fato que me faz lembrar o quanto sou egoísta para compartilhar o melhor de mim com os outros. Do contrário, como mesmo seria possível massagear uma auto-estima 54 milhões de vezes maior do que o diâmetro da Terra? Ao oposto de Zaratustra é o astro-rei quem me contempla enquanto dentro do sexto continente agora o flâuner passeia solitário pela internet.


De veias abertas na estema estesia do bobo da corte contra 32 peças, todas as noites as senhoras que vivem nas casas diante do chafariz principal deste parque fecham os olhos e finge não existir nada. É assim que elas tentam fazer os dias seguintes nos asilos da mente humana se tornarem suportáveis. Não gostam de falar. Ridicularizam os tagarelas como pessoas insignificantes que não encontram nada de interessante para fazer dentro de si apelidando-os de “tartarugas sem cascos”.

No decorrer do translado deste passeio inesperado, torna-se a mim completamente detestável o fato de ser notado. Pouco a pouco as paráfrases estão indo embora numa neve de verão inestimável. Em uma pequena overdose de tragadas de cigarro, chego até o fundo da rua. Lá, o oceano me lembra o que eu era em uma forma de existencialismo cansativo de fazer todos brincarem com o barro neste mecanismo de auto-sabotagem covarde.

Contrapondo o desejo sem freio de sobrepor a linha da mediocridade, acabo não resistindo a mais uma festa no final de semana. Mas o que quero é ser abduzido da multidão e retornar para a torre de marfim, o balaustre de mistérios, pra durante os sonhos sempre poder me cobrir com um lençol de aura mítica e nunca mais precisar conhecer as pessoas tão de perto. Isolação!




Ricardo Magno

23 de março de 2011

Na fila do pão








“Pão” duro! Na fila do pão um “pão” estava duro. Por volta das duas horas da tarde a minha baguete enrijeceu. Foi na mesma padaria que havia sido roubada tempos atrás. Voltando para casa bêbado na madrugada daquele dia eu ainda lembro quando chamaram a polícia... Mas agora eu não estava.


Um encontro do acaso. Os meus dois pãezinhos franceses com aquela torta alemã. Não era a mulher mais linda do mundo, e era isso o que mais me excitava. Eu nunca tinha visto uma funcionária pública do judiciário tão atraente. Pensando bem, às duas da tarde, eu acho muito difícil ela ter ido lá fazer o desjejum. O traje social não negava, mesmo saindo do trabalho agora, eu acho improvável querer comer massa fina a essa hora.

Maisena, farinha de trigo, fermento, ovos e leite com tudo muito bem misturado. Em um segundo eu imaginei como deveria pegar fogo aquela fornalha. Nem para eu ser padeiro só para saber como é que se mexe na massa. Camisa manga comprida feminina branca daquelas que quando molha, maravilha! Tudo aparece. Ela é sóbria, os óculos não negam. Uma pervertida disfarçada, escondida por entre sentenças e julgamentos na formalidade do fórum da cidade. Tudo o que eu adoro reunido e muito bem mexido em somente um ser da espécie do sexo oposto. Que bom! Menos trabalho na hora de sair pra pegação procurando parceiras como quem busca peças para montar um quebra-cabeça de fantasias e fetiches. Mais de mil peças na construção de uma bela paisagem. Mas desta vez já vinha tudo na mesma caixa.

A fila andou, a rua parou e eu quase caio de tão tonto que ficava quanto mais eu observava a opulência daquela buzanfa parada na minha frente. Deve ter sabor de gelatina de maçã. Que imensa esfera voluptuosa! Cabelos lisos e pretos. Muito escuro. Brancona! Talvez com uns 32 anos. Motor amaciado? Melhor ainda! Eu também já estou chegando na “terceira idade”. O companheiro que estava comigo, na hora, tomou um puta susto. E eu concordo com ele. Nesses momentos ninguém acredita quando é contemplado. Mas o cara foi tão escandaloso que ela até virou de costas e sorriu educadamente se sentindo elogiada. Sei lá! Vai ver que tem filhos, já foi ou ainda é casada e entrou naquela rotina chata em que o cara se vira para o outro lado na cama e fica combinando baixinho ao telefone um encontro com a biscate. Vai ver que ela estava de baixa estima se sentindo um trapo e os olhares indiscretos lhe lavaram a alma. Só sei que valeu! Por alguns segundos tudo se encaixou e valeu muito à pena ter nascido tarado, conhecer somente amigos tarados. Ela gostou! E se gostou, então deu brecha. Agora é só escancarar a fresta.

Até esqueci da cerveja, entreguei para o meu amigo os cascos. Ele desistiu de mim e foi comprar a carne do churrasco. Entrei na fila. Eu quero é broa! Enroladinho, esfoliado, com queijo derretido por cima, mas eu só pensava era naquele bendito brioche. Mulheres assim me enlouquecem: deusas reais, criaturas divinas sem pedestal, espectro de luz palpável. 

Fiquei em pé e de “pé” duro! Olhei no balcão a caixa de Halls ao lado dos Ruffles e não pensei em nada. Um olho no rolo e o outro na massa. Quis dar uma volta, inventar rápido uma aquisição compulsiva. Pois a fila anda e logo o eclipse desaparece. É só de cem em cem anos. Era exatamente isso o que aquela grande protuberância branca significava em minhas representações eróticas burlescas: uma lua de calcinha, uma lua em forma de ânus. Uma lua com ânus. Ma-ra-vi-lho-sa! Uma lua em forma de ânus com calcinha e ânus. O que é melhor! É óbvio.

Se fosse na fila de um banco, na pressa, cometeria uma infração grave. Passei dois velhinhos que conversavam distraídos como se ainda tivessem muito tempo. Foda-se a Lei das Filas! Agora eu quero é rocambole.

Cheguei perto, grudado, na cola! Nem lembrei de dá o espaço de segurança para evitar colisões em freadas bruscas. Eu queria era ver o meu carro colidir com o carro dela pelas costas. Brisa no asfalto! Perfume do Boticário, eu sacava o cheiro. Meu amigo, o tarado espalhafatoso, quase estraga a abordagem. Antes dele pronunciar qualquer palavra escrota de macho alfa, fiz sinal desesperadamente para que ele passasse direto e fosse preparando a carne. Com o saco escrotal em ebulição, ele entendeu tudo e bateu em retirada.

Enquanto observava, cada vez ficava mais baixo o nível de ondas beta. Depois era apenas permitir que a adrenalina corresse pelas veias simultaneamente com os espermatozóides entrando em erupção. Fisicamente eu estava quase lá para realizar o approach. Por trás dela, eu sabia que ela sentia os meus olhares safados. E antes de ser atendida, ela se virou e riu, descarada! No primeiro passo, fingiu um tropeço e caiu com uma certa discrição em meus braços. De tão próximos, todo o meu corpo a apoiava num contato leve e sutil em que eu aproveitei para dar duas pulsadas. Percebi que ela sentiu e gostou da mistura que fazia a fusão das texturas de nossas peles. Sexo era só uma questão de esperar ficarem prontas as torradas.

Emperrou o caixa. De sopapo, inventei de comprar balinhas, finalmente dividíamos o mesmo espaço. Enquanto a moça calculava o troco, silenciosamente nos encarávamos, e foi quando eu permiti transparecer em linguagem labial a divina frase: “Gos-to-sa!” A “vagabunda” entendeu tudo sem nenhum equivoco. Ficou eufórica, eu vi! Até eu que sou acostumado, depois, fiquei meio encabulado. Então ela me perguntou: “Seu nome é Magno?” Respondi que sim: "Ricardo Magno!" O que fazer nessas horas? Raciocínio rápido as vezes falha em momentos impróprios igual ao carro do Rubinho Barrichello! Milésimos de segundos podem nos separar da vitória.

“Conheço uma amiga sua.” Ela me jogou esse papo furado. Do balcão até o carro dela a gente já tinha dois dias de namorados, estávamos sutilmente falando de sexo. Confessou o chaveco barato e que tinha me visto algumas vezes pelas proximidades, mas adivinhar meu nome foi puro golpe de sorte. Ri! Quase morri de ri enquanto no cérebro um pequeno, mas importante exercito de neurônios, as pressas, era recrutado exclusivamente para tratar do plano de ação no decorrer da sacanagem. Foi ela quem pediu meu telefone. Nem pensei! Literalmente “pau” mandado, telefone dado! Como diria Luiz Gonzaga: “Mulher querendo é bom demais!” Contei para o meu amigo, o cara babava e não acreditava. E é porque ele é tão puto quanto eu. Ele é um filho da puta mesmo!

Nove horas depois ela aparece para me pegar em casa. De antemão, me recusei a entrar no carro, pois adoro “imacular” os meus aposentos. Fiquei de pijama de seda de propósito, só para inspirar putaria naquele pobre alma. E ela mergulhou de cabeça no ar de minha graça. Mudei de idéia e entrei no automóvel. Uma preliminar enquanto as pessoas passavam sempre deixa os pecaminosos no ponto.

Cheirosa, ela não disse nenhuma palavra. Acho que foi sem querer que ela confundiu o cambio de marcha. Será? Piadinha sem graça. Eu nunca fui tão inocente assim para acreditar nessas anedotas. Quando fui perceber, minha cueca tinha descido sozinha pelas pernas. “Gulosa em!” E fiz um singelo trocadinho com “pão.” Ela continuou concentrada, mas pelos novos esforços na empreitada compreendi claramente a resposta aos meus estímulos. Vez por outra o carro buzinava à medida que a gente se amassava. Soluçando ela me pedia desculpas enquanto brincava com o meu massa grossa. Tocava alguma coisa no rádio, eu só lembro que o rádio tocava...

Giramundo, amazonas, executivo, a ponte e o famoso candelabro italiano. Nada faltou na mesa giratória de nossa performance pornográfica quando o carro permitia espaço. Hot dog, parafuso, espanhola e garganta profunda. Um self-service de sexo oral. E olha que eu gosto do troço. É tara mesmo! Tenho quase certeza absoluta que durante o processo de formação da minha libido, na fase oral eu tive uma fixação não elaborada. Surgiu daí a minha fissura. Na infância, minha mãe até disse que me flagrou com o pinto na boca de uma mulher da revista. Se não chupa, então nem venha falar comigo! E nisso ela já tinha deixado bem claro que era uma mestra. Com tanta concupiscência assim eu até comecei a desconfiar que ela fosse juíza ou advogada. Só pode. Vai gostar assim de vara lá na casa do caralho!

Com o dedo no grelo, logo logo eu ascendi os faróis que não eram os do carro. Biquinhos rosados. A senhorita realmente se cuidava. Se aproxima um moleque e vê o vidro embaçado. Surge uma menina gritando pelo gato que entrou no escapamento do carro. E lá dentro ninguém dava fé do mundo em volta. Coloquei os seis para fora, arranquei as suas calças e dei um beijo de “prazer em ti conhecer” por cima da calcinha antes de ver a cara do moleque. Bancos reclináveis. As montadoras de carros se preocuparam com tudo. Devagar, gostoso e de ladinho algum tempo depois gozávamos abraçados enquanto disparava o alarme.




Ricardo Magno



16 de março de 2011

A Londres Vitoriana









Na esfera do maneirismo, considerando todas as suas camadas insubstanciais e estereotipadas, a criação de Adão culminou na descoberta do homem e de um novo mundo. Drácula: um Flâuner na Londres Vitoriana. O Vampiro Curitibano que trocou a Grécia pela França para passar seis meses na Inglaterra. No pensamento urbano da contemporaneidade e seguindo o pensamento de um texto de Pantagruel ele via com exatidão o local a ser desfrutado com ênfase na experiência individual e nas possibilidades latentes do homem.

Reunindo esse corpus eclético de idéias, o jovem Luís com a sua Maria Antonieta, seres com forças além de seus poderes e incapazes do domínio completo sobre seus pensamentos, capacidades e paixões, e muito menos sobre a duração de sua própria vida; em tempos de guerra, por mimo, optaram em plantar carvalho ao invés de fazerem caridade. E acabaram por esquecer que é somente na mocidade que se trazem oportunidades que depois de serem desperdiçadas nunca voltam ou se voltam, já chegam bem tardes. Pois esse era o momento em que os ladrões de rua, os carrascos e os empregados do estábulo eram mais eruditos do que os doutores e pregadores do meu tempo.

A partir da estrutura de ensino medieval do Trivium e do Quadrivium, Petrarca, um digno do humano, e Pico della Mirandola, uma versão italiana de Dom Quixote, em um Retrato de Erasmo, O Jovem, acreditavam que quanto mais felizes todos fossem, menos uns incomodariam os outros. Mas Jack, O Estripador, não pensava assim e logo tratou de iniciar a dizimação Renascentista no começo da Idade Moderna. Por isso fez confusão Dorian Gray, o Príncipe, e tentou solucioná-la Sherlock Holmes, o enxerido.  

Como se lê em De laude flagellorum de Pedro Damião, da tentativa original e eclética de harmonização do Neoplatonismo pagão com a religião cristã, do eros com a charitas, surgia uma massa de podridão, pó e cinzas quando O Grande milagre ainda era o homem! Rabelais e Montaigne, meu querido Montaigne! O que o tempo fez com você?

De acordo com os pressupostos desta arte Sacra conversazione, apóstolos não poderiam ser representantes de camponeses vulgares e artesãos comuns; porque nada que não fosse grande e sublime o bastante para receber a atenção dos céus e do que as nuvens escondem deveria ser digno de inspiração artística.

Mas o meu estadista preferido antes mesmo disso acontecer já deveria saber que apesar de um Código de Ética não existem boas leis sem boas armas. Pois esta é a regra número um do manual dos governos. É que outrora, Quattrocento e o Cinquecento cheios de figuras históricas, desde Pontormo na Santa Felicita, em festas públicas suntuosas, estavam a disposição da cruz mitológica e alegórica.

Na caracterização de uma atmosfera leve, contra Roma, na seqüência do saque e da contestação da autoridade papal a insurgir como um clarão de escuridão na consciência dos cidadãos enchendo-os de dúvidas e dramas genuínos da Contra-Reforma, tudo isso ocorria enquanto vinha Lutero, aos 46 anos, O Velho.

Em dilemas do século é vindo e bem-vindo o Juízo Final no coração do Vaticano nos despovoados templos do norte em ondas de fúria da iconoclastia em representações pictóricas e escultóricas de santos e personagens divinos e em muito mais obras de arte destruídas ao tempo auxiliada por uma evangelização mais ampla e mais sedutora direcionada para as grandes massas.

Na época idearia humanista e clássica, ao cobrir dois terços finais de 1600, carruagens eram puxadas e guiadas por cavalos enquanto o Homem Vitruviano era usado para identificar este período da História Européia. Este é o momento apoteótico da história da humanidade em que os homens eram melhores do que o que eles tinham, e no entanto, piores do que tudo aquilo que um dia ainda poderiam vir a ser.

Como recursos plásticos e miméticos, o Claro e o Escuro eram usados semelhantes a produtos originados por uma eficiente ilusão tridimensional com a sua estaticidade e seus espaços profundos para somente assim na Escola de Atenas, Rafael poder ver Cristo e o Tributo serem depositados em um ciclo ininterrupto de afrescos em uma permanência bem sucedida válida até hoje. Na poderia ser sobre-humano quando pessoas começaram a tocar com os seus pés a terra. Isto a Madalena Penitente aprendeu através da polifonia melismática dos organa.



Ricardo Magno

11 de março de 2011

Na maioria das vezes










Meus distúrbios são minhas brincadeiras. De pior a pior me sinto melhor. De desgraça a desgraça vou achando mais graça.

Ter medo quando não há o que se temer é fobia. Soluções temporárias são neuroses, e ter pensamentos indesejáveis é loucura.

Porque nem todo desejo é desejável, nem todo poder é potencialidade e nem tudo na vida é realidade.

Os problemas são situações reais com soluções. Conflitos não passam de frutos da imaginação enquanto a noite é um buraco que nos absorve no instante em que nos prostituímos ao pensar estarmos melhores.

Ódio é o que inconscientemente sentimos pelos outros, só que enrustido de amor. Assim burlamos o "amai-vos uns aos outros" permitindo a todos os santos se beijarem e depois se odiarem.

Quando em meio a folia, desprevenido de alegria, o pânico me pega, encadeio uma série de veredictos porque na maioria das vezes não sei se o que estou fazendo é realmente a coisa certa. E somente depois de anexar as proposições e fundamentar um silogismo é que percebo que na maioria das vezes o que fazemos só é certo até certo ponto: Pica-Paus loucos gritam na minha consciência.

Ricardo Magno

2 de março de 2011

Donna Piscareli: A Senhora Tinto Brass










Situado na zona ao pé do monte, ele era o símbolo emblemático da noite parisiense cheio de ricas histórias ligadas à boêmio da cidade. É famoso pela inclusão no terraço do seu edifício de um grande moinho vermelho. No final da década, abriam estágios por dois anos na Cinémathèque, o que já servia de grande aprendizado até se tornarem ajudantes na Nouvelle Vague.


Na Búzios da Riviera Francesa, diante de uma mesa provençal após tanto beber vinho rosê em um tipo de Santa Ceia dos hippies chiques, deus inventou de criar as mulheres. No mínimo seria isso o que Brigitte diria ou então seria a princesa Diana se acabando de tanto dançar na única discoteca da cidade.

No abismo de um sonho, cabelos bufantes e roupas futuristas seduzem mulheres que dão a luz em meio a notáveis exemplos de fantasias modernistas evocadas pela memória luxuriosa e pura de suas visagens. Tanto o romantismo tragicômico dos novos turcos quanto o Cavaleiro da Grande Cruz eram conhecidos pelo estilo peculiar que fundia alucinações e imagens barrocas. 

Nos vilarejos da charmosa Itália no início dos anos 50 desinibidas famílias julianas estritamente católicas habitavam estes lugares. Desde pequenas, nas primeiras fases da puberdade, moças ingênuas sempre causavam alvoroço entre os homens, embora o que elas realmente queriam era apenas perder a virgindade com os seus noivos.

Na Veneza dos sonhadores e realizadores italianos, com o pseudônimo de Giovanna Brass, uma delas, a melhor discípula era mais conhecido pelos crimes sexuais que praticava. Na juventude, depois de La vacanza, La mia signora finalmente começa a trilhar firme em definitivo pelos caminhos eróticos em rumo seguro na direção a In capo al mondo!

Em um primeiro trabalho sexual realizador logo tratou de participar de uma orgia casual com a mais sublime interpretação digna de uma atriz pornô em um exemplar da Penthouse. La donna è una cosa meravigliosa! Mantendo sempre o cuidado em não misturar sexo com política, a água cristalina com a poluída, acabou se apaixonando por um homem puritano que conhecia a hipocrisia das famílias tradicionais, e assim permitiu-se constantemente beber gotas de sexo na fonte do viver durante o transcorre na escalada das trincheiras íntimas. 

Desde o Impotente existencialismo de Giuseppe Cirillo a safadeza moderna feminista das travessuras de Lucíola, José Alencar teria inveja. Pois agora, a antiga vila de pescadores teria se entregado ao estilo de vida hedonista. E esse sentimento, prenúncio do que estava por viver em conseqüentes transformações da atualidade é tanto que até o rabo do próprio deus Nero pegaria fogo de tanto despeito de seu cavalo após tantos anos tentarem se redimir os hebreus e o nosso Messias não enviado. Pois a Donna, de fato, era uma coisa meravigliosa!

Mais parecido com um documentário de faroeste, o filme da revolta, em meio a mais um spaghetti-western dos Yankees cuja palavra "falo" quanto mais era pronunciada mais se confundia com um verbo no presente ou o membro masculino ereto. Nonsense! Pois a chave deste enigma eram as cobras que se rastejavam em um maldito bar no deserto de Budapeste.

No amor de um guarda, Fermo posta Tinto Brass, mon amour! Então transgrida. Ação! Abordo de Paprika, Miranda, Monella, Salon Kitty, a perdida Sonia Henie e eu, o Calígula! Finalmente ou quem sabe, somente agora La nave va!


                                                                                                        
Ricardo Magno