19 de julho de 2010

Dadaísmo

Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914, durante os anos de conflito, houve uma perturbação fundamental nos conceitos artísticos. Naturalmente a arte, espelho da vida, deveria refletir o estado moral do homem europeu. Nesse clima, surgiu o Dadaísmo, nome - sem sentido algum, assim como a arte diante da irracionalidade da guerra - teria sido originado da palavra "dada", cavalinho de pau em linguagem infantil (em Francês) ou o som balbuciado pelas crianças pequenas, atribuído a si mesmo por alguns artistas que se reuniam em Zurique, Suíça, em 1916, (cidade que  conservou-se neutra à guerra).

Contrários ao envolvimento militar de seus próprios países, os artistas fundaram um movimento para expressar suas decepções em relação à incapacidade das ciências, religião e filosofia que se revelaram ineficazes em evitar a destruição da Europa. Sua proposta era que a arte ficasse solta das amarras racionalistas e fosse apenas o resultado do automatismo psíquico, selecionado e combinando elementos por acaso. Portanto, no instante em que a guerra instaura o pessimismo e a descrença na humanidade e os estudos psicanalíticos de Freud cada vez mais se tornaram populares ao atribuir a maior parte de nosso comportamento a motivos inconscientes (desprovidos de encadeamento lógico), nada poderia parecer mais contundente do que a crítica embasada na irracionalidade.

O movimento, que negava todas as tradições sociais e artísticas, era menos um estilo do que uma atitude, tendo como base um anarquismo niilista (do latim nihil, nada) e o slogan de Bakunin: "a destruição também é criação". O Dadaísmo concentrou-se em questionar as realidades aceitas expressando revolta contra todas as instituições e convenções vigentes ao satirizar a arte e a literatura, rompendo com o emprego dos objetos tradicionais eleitos pela arte no decurso de séculos. Para os dadaístas, a pintura deveria ser a expressão da inocência infantil, da simples decorrência do mundo psicomotor do nosso interior.

Contrários à burguesia e ao naturalismo, identificado como "a penetração psicológica dos motivos burgueses", eles buscavam a destruição da arte acadêmica e tinham grande admiração pela arte abstrata. O acaso era extremamente valorizado pelos dadaístas, bem como o absurdo. Tinham tendências claramente anti-racionais e irônicas: o objetivo máximo era o escândalo. Nele, os artistas procuravam chocar o público mais ligado a valores tradicionais e libertar a imaginação via destruição das noções artísticas convencionais. A exemplo de Marcel Duchamp, as figuras centrais do movimento foram Tristan Tzara, François Picabia e Max Ernst. Como um de seus artistas mais expressivos em uma típica atitude anárquica, Duchamp, tentou expor um urinol como escultura procurando escandalizar a opinião pública.

Originado de um grupo ainda composto por Hans Harp, Richard Hülsenbeck, Marcel Janko, Hugo Ball e Hans Richter que se encontravam em cafés de Zurique, no chamado Cabaret Voltaire. A idéia inicial era a realização de um espetáculo internacional de Cabaré que contava com músicas diversas, recitais de poesia e exposição de obras. A maneira como surgiu o nome do evento é sugestiva: por acaso Ball e Hülsenbeck abriram um dicionário de alemão-francês e acabaram se deparando com a palavra dada, que foi posteriormente adotada pelo grupo e pelo movimento que daí surgiria. Outra lenda popular conta que foi 

Tristan Tzara o responsável pela escolha aleatória do título. Mas a verdade é que independente de qual fosse o nome a proposta cultural do grupo seria bem efetuada. Pois quanto mais houvesse falta de sentido mais a crítica seria rebuscada.

Com uma arte escrachada cheia de provocação, ativismo e conceito de simultaneidade, os objetos do quotidiano são apresentados em novos e diferentes contextos que por vezes não aparentam ter qualquer sentido. As obras de arte contêm itens que criticam a guerra, o consumismo, o capitalismo e a sociedade em geral. O dadaísmo opõe-se ao equilíbrio, utilizando a ironia e o pessimismo. Para criar maior sarcasmo, os artistas geralmente utilizavam à fotomontagem. O dadaísmo é experimentalista, escandaloso, espontâneo e ceticista, chegando a invocar até a anti-arte (destruição da arte).

Os poemas non-sense (sem sentido), as máquinas sem função de Picabia que zombavam da ciência, ou a produção de quadros com detritos, como Merzbilder, de Schwitters, são outras obras características do dadaísmo. Além disso, o dadaísmo, desde o começo, pretendia ser um movimento internacional nas artes. Picabia era o artista que acabou por fazer a ponte entre o dadaísmo europeu e o americano, tornando-se, juntamente com Duchamp e Man Ray (grande defensor da fotografia como arte), uma das principais figuras do dadaísmo forte em Nova York.

A revista “Dada 291” era publicada nessa cidade norte-americana, além de Barcelona e Paris, e outras cidades por onde o movimento espalhara-se. Berlim, Colônia e Hanover eram outros importantes focos Dada. (Na Alemanha, o movimento ganhou características mais próximas de protesto social que de movimento artístico). O dadaísmo forneceu grande inspiração para movimentos posteriores como o surrealismo (derivado dele), a Arte Conceitual, o Expressionismo Abstrato e a Pop Art americana.

Apesar de sua curta durabilidade - no período entre guerras, praticamente havia sido esquecido - e das críticas realizadas ao movimento, fundamentalmente baseadas em sua ausência de vocação construtiva, ele teve grande importância para a arte do Século XX. Fez parte de um processo - observado nesse século - de libertação da arte de valores preestabelecidos e busca de experiências e formas expressivas mais apropriadas à expressão do homem moderno e de sua vida. O fim do Dada como atividade de grupo ocorreu por volta de 1921. 


O dadaísta por excelência e o Ready-Made


Dentre as características se encontram: fotomontagens oníricas, incorporação de materiais diversos, elementos mecânicos, inscrições humorísticas, expressões ridículas e burlescas, e o Ready-Made que significa confeccionado, pronto. A expressão foi criada em 1913 pelo artista francês Marcel Duchamp para designar qualquer objeto manufaturado de consumo popular tratado como objeto de arte por opção do artista numa manifestação radical com intenção de romper o fazer artístico, uma vez que se trata de apropriar-se do que já está feito.

Duchamp, ao saber mais do que nunca o quanto é arbitrário a relação entre significante e significado, e que as significações não foram atribuídas por deus às coisas criadas; mas que são obras do acaso operando nas relações humanas sem um referente último que assegure de um lugar de fora da linguagem a estabilidade das significações. De fato, ele também foi capaz de constatar que a linguagem é um lugar angustiante. Como Lacan define, a partir do momento em que aceitamos a inexistência de um significante sólido que esteja fora da linguagem nos garantindo à relação do conjunto dos significantes com a verdade dos significados; tudo, inclusive ele, o sujeito, nada mais é do que um significante a deriva.

Durante séculos, a humanidade apostou no nome de deus para fazer essa função do que Roland Barthes chamou de naturalização: quando um objeto passar a ter significado baseado nos mitos que sustentam a paralisação escondendo a condição inevitável e negando o seu caráter histórico, de que tudo é transitório, e tudo o que concerne ao homem é responsabilidade dos homens, das relações de troca e do poder entre humanos. Usando essa possibilidade lingüística e etimológica a dar um giro significante no caráter da realização de suas obras, assim o objeto industrializado e um tanto abjeto, é elevado à condição de obra de arte demonstrando seu desprezo pela obra tradicional através de mecanismos óticos.

Ao selecionar objetos do uso cotidiano pré-fabricados tendo como concepção de objeto a implicação da fórmula Lacaniana a mesclar o Belo ao Terrível; a sublimação consistiria então na operação “significante” pela qual um objeto qualquer, decaído e indigno seria elevado “à dignidade da Coisa”, uma vez que, quando um conjunto de significações que sustentam os sujeitos no campo simbólico se “naturalizam”, o poder atinge sua máxima eficácia. Foi este pensamento que consolidou Duchamp como a alma do movimento.

E é justamente por detrás de toda a aparente crítica “irracional” refletida pelo pessimismo provocado pela guerra, é que se revela a mais refinada contundência no processo de criação dadaísta ao tentar fugir da lógica como resposta ao motivo do caos instaurado da época, fazendo jus a classe dos inclassificáveis, e no mais exato modelo de classe paradoxal dos termos Lacaniano. Sendo o oposto do que se afirma, é quanto mais o dadaísmo tenta afirmar sua tese embasada na falta de razão mais ele se reafirma ao seguir uma proposta extremamente lógica. Aí consiste seu conflito, trunfo e beleza.





Ricardo Magno

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