14 de dezembro de 2011

Meu Barão







Em nada resistem ao tempo, nem o amor e a beleza. Homens envelhecem e mulheres apodrecem.
N.T

Após tanto tempo de fumo e tabaco, ou os dentes caíram ou os sobreviventes estavam estragados... Ele inspirava e sentia o fedor do próprio hálito. O Barão era um covarde. Um velho covarde de carcaça asseada com título de nobre! O roupão sustentava um brasão que - para ele - representava o fardamento militar digno dos poucos remanescentes vivos da guerra.

Ao erguer a cabeça e andar com o nariz empinado, ele fazia questão de mostrar o quanto ostentava essa valiosa honraria, e o quanto isso o fazia se sentir diferenciada. O Barão habitava em um mundo peculiar velho e cansado da terceira idade. A usa mente era um antiquário dos valores e princípios da Segunda Guerra, onde ele era mais um hóspede dos asilos da consciência, em que doía o calor de um peido, e ele temia que fosse próstata. Ele era um sobrevivente do tempo, ornamento de antigos bazares. Sua época havia passado, seu mundo e geração se diluíram com o tempo, e ele sabia disso. Agora a realidade era bem hostil com pessoas da sua idade, e a única maneira de se impor era mantendo uma raivosa e violenta resistência a tudo o que representasse o contrário - o presente era uma ameaça.

Meu Barão não estava nem ai para o amor. Várias e várias vezes o ouvi dizer que preferia morrer mendigo nas ruas ou velhaco em um asilo a perder a liberdade, por um segundo, na ilusória solidariedade da família moderna entre mulher e filhos. Para o Barão, a cara metade deveria ser semelhante a dois testículos que a gente compra em saquinho - bem fresquinhos - no supermercado no domingo pela manhã. Se para o amor era necessário ter coração, confiança e paciência, confesso que o Barão não tinha nenhuma dessas qualidades.

Com oitenta e quatro anos, já fez sexo. Cagou a vida de umas trezentas mulheres. Foi o pior homem de todas elas. E sempre que poderia ter sido diferente, fez questão que tudo acontece e terminasse da mesma forma. Meu Barão era um cabeça dura mesmo. Bobo e besta para os amigos, uma peste para as amantes. Se recusou a vida toda a chamar qualquer mulher por um apelido carinhoso. Achava isso impessoal e ridículo só de ouvir pela boca dos outros. Para ele, ninguém – e até ele mesmo – nunca foi digno de “tão honrosa insígnia”. E por incrível que pareça, ele nunca foi um desses tipos machistas de homem das cavernas que acha que o certo é usar e descartar. O Meu Barão simplesmente era assim.

Desde quando seu juízo começou a ser iluminado pela luz das razões da vida, e suas costas começaram a ficar sobrecarregadas pelos pesos das obrigações ordinárias do dia a dia, o Barão sempre soube que se um dia ele quisesse ter algo na vida, teria que estudar e trabalhar muito. Pois o pai foi um filho de uma puta sertanejo abastado e abençoado, sem estudos, que conseguiu mundos e fundos, o que podia ter e o que não pôde; depois jogou tudo para o ar se tornando alcoólatra e tuberculoso morto por uma série de doenças venéreas. Não era mais a fase do garimpo, mas ele viveu como se fosse.

Quando o conheceu, sua mãe era apenas uma moça virgem, quinze anos mais jovem, que sofreu muito com a indolência, machismo e experiência do marido. Após o nascimento do filho, ela se vendeu para o conforto chauvinista oferecido por ele em todas as suas garantias como dona de casa onde não lhe faltariam nada, e acabou se doando de corpo e alma para a maternidade, pois na verdade, ela o amava e também sabia que o marido sentia o mesmo. Ambas as escolhas foram o bastante para que ela se castrasse pelo resta da vida para as ambições mundanas e não quisesse mais nada; o que depois na velhice, foi culminante para fazer renascer dentro de si fobias e síndromes diversas que lhe angustiaram e assombrariam até o último sopro de vida, em forma do passado de uma mente idosa, frágil e desgastada cujas potencialidades foram reprimidas. “Eu fui uma singular dona de casa frustrada!” Estas foram suas últimas palavras. O Meu Barão foi à única testemunha dessa frase imortal. Se ele fosse algo mais próximo dos humanos, teria derrama aos menos uma lágrima. Mas, a essa altura, Meu Barão já não podia ser mais nada.

As famílias eram assim: Em uma habitava um covil em que eles insistiam em classificar de cortiço familiar, mas só havia cobras. Era uma tia intimamente frustrada cheia de insatisfação sexual e amorosa, que nunca havia lido ou sequer ouviu falar de Kafka, mas, inconscientemente, persistira em trilhar o mesmo caminho de Gregor Samsa. Outras passaram a infância na miséria vendendo bolos de fubá em cabarés, e agora não suportavam comer maizena. A maioria não conseguiu segurar os maridos. Eram quase todas tias-avós. E os poucos cavaleiros - cavalos – valentes que ousaram cruzar até o final com essas senhoras os embates violentos e perigosos do matrimônio, acabaram tendo um AVC e terminaram imóveis como vegetais sentados em uma cadeira de rodas. A caçula, vendo os repetitivos fracassos das irmãs mais velhas, nem perdeu tempo na luta e cedo decidiu colar o velcro. E mesmo assim, as mulheres dessa família - bem ou mal - eram as únicas que faziam algo. A exemplo do bisavô, todos os homens – da primeira geração até a última – eram um monte de bostas. Tios, primos, sobrinhos, genros e cunhados seguiam o mesmo exemplar. E as nuances da mediocridade iam diminuindo progressivamente de acordo em que a linhagem ia se distanciando dos primeiros moldes. “Causas frouxas!” Era isso que o Barão vivia repetindo ao espelho e nos almoços familiares. Naquele estabelecimento, ele conseguia sentir mais apego e candura a ternura dos gestos sutis de uma barata, ou então, em receber um desodorante como presente de aniversário, a qualquer afeição por aqueles patéticos e imbecis seres.

Mais velhas, as primas cresciam, descobriam os prazeres e a importância do sexo, se apaixonavam por vagabundos, mas no final, sempre acabavam se envolvendo com o jogo do bicho só para poderem ir uma vez por ano a Las Vegas. Nenhuma delas teve coragem, e semi-analfabetas, elas nem sabiam em que país ficava Nevada, mas sentiam que estar ali lhes davam status, o que equivalia ao mesmo que dar colares de diamantes aos porcos. Outras começaram a trair o marido só para transarem com um terno Giorgio Armani. E tudo isso o Barão assistia de longe sem dar a mínima para esses bastardos. Mas o Barão, não! Mesmo em meio a toda essa deformidade, desde criança ele carregava os genes da mutação que um dia iria lhe fazer romper toda essa herança ordinária. Espiritualmente, há muito ele já vinha destroçando essa sin ne qua non mental.

Pelo tamanho do pau, o bisavô materno do Barão só poderia ter sido um português de olhos azuis, e a bisavó, uma negra dos dentes de marfim. Portanto, contrariando a superficialidade da alvidez das camadas da epiderme, o Barão era mulato e nutria com muito orgulho isso. Ainda na fase de virilidade, o que o Barão mais gostava era de sexo, mulheres, bebidas e mais sexo. E toda essa mistura ele fazia com muita responsabilidade. Nunca perdeu a cabeça por nenhuma delas. Os estudos e o trabalho sempre vieram em prioridade. Ele nunca exaltava os fins em detrimento dos meios, pois como um bom filósofo, havia descoberto racionalmente que tudo aquilo que nos possibilita conseguir o que mais ambicionamos era sempre mais importante do que os próprios fins. Assim, com muita determinação, esforço, disciplina e dedicação, o Barão obteve tudo o que queria. Era esta a sua pirâmide motivacional muito bem elaborada. Pois foi assim que ele construiu a base de sua vida alicerçada nos valores estáveis em que ele poderia exercer controle sólido e efetivo.

Seguidor do Príncipe, ele buscava incessantemente minimizar ao máximo a influência do acaso. No entanto, nunca foi patético ao ponto de pretender querer ser deus. Sabia que o fardo era pesadíssimo e somente o próprio havia nascido com ombros largos, rijos e fortes o bastante para carregar tão pesada penitência. Por isso o admirava. Mas de uma forma muito intima e pessoal que somente os dois entendiam. Norteado por ininteligíveis qualidades, assim se fazia à relação estreitamente reservada e singular entre ambos. Era muito temente a ele, até mesmo porque não gostava de se sentir desconfortável quando na mira das vulnerabilidades. Bastante pragmático, ele via como único caminho sensato, mesmo que pouco racional, a construção - supersticiosa ou não - na crença, um pouco cega, da imagem poderosa de um ser universalmente superior, a derradeira válvula de escape no qual ele pudesse rogar suas pragas. Pois deus representava o acaso operando no meio de sua vida. E tentar entender isso era tão impossível e irracional quanto tentar acertar os números da Mega-Sena; ou, em um arremesso aleatório, conseguir colocar entre duas folhas no galho da árvore os restos da bagana de um cigarro aceso, quanto o feito exigisse probabilidades. E mesmo assim, ele não tinha a menor duvida que existiam pessoas capazes de realizar as duas proezas matematicamente improváveis.

Auto de data, aprendeu tudo sozinho. Só ouvia os outros falarem, e no dia seguinte, já sabia sabendo, já saia sabendo, já sabia fazendo... Já saia fazendo. Admitir e aceitar que a própria felicidade dependesse de outra pessoa... Era esse o maior dos defeitos e falhas que ele via nas relações amorosas. Misantropo, não se permitia depender em nada dos outros. Achava que não deveria ser assim. Lembrava dos ideais dos estudantes esquerdistas durante a ditadura - em que a política e os direitos sociais eram sobrepostos às mesquinharias da vida amorosa – e acreditava piamente que era assim que as pessoas deveriam se reger internamente. E se todas as relações modernas se resumissem a solidão interior, em punheta ele já teria casado com um milhão e trezentas mil mulheres. Para uma cabeça feita e exemplar raro como era o Barão, o amor nunca lhe enganou desde sua construção histórica. O mais violento de todos os mecanismos inconscientes de entorpecimento das massas, alcançava o ápice agora em uma sociedade impregnada de homens cujo estereotipo se assemelha aos modelas ideais de Weber dos especialistas sem espírito, não se fazendo tão difícil acomodá-los. E cada vez que o Barão reforçava essas pequenas verdades, ele ganhava cada vez mais força motivacional para investir tudo em si mesmo, estudos, ensinamentos, trabalho e esforço recompensado; pois somente ele era capaz de adquirir tudo o que ansiava para si mesmo. A relação consigo mesmo era sólida e totalmente confiável. O que fazia do sexo com os outros uma coisa boa e constantemente periódica desde quando entendeu que a pratica mantinha a sanidade mental e a saúde espiritual permitindo aos músculos cerebrais funcionarem sagazmente. E com as faculdades mentais em trabalho regular, o bem estar se espalhava para o corpo e a alma.

Parou de evitar emoções e sentimentos desde o dia em que percebeu que eles não lhe metiam mais medo. Aprendeu a exercer um mínimo permitido de domínio sobre eles a partir do momento que compreendeu que nunca chegaria totalmente a controlá-los. Vez por outra, se dava ao desfrute de um encontro verdadeiramente amoroso, pois somente relações mecânicas não eram muito saudáveis, e facilmente o faziam entrar em tédio. Não sentia mais perigo em entrar nesse arriscado jogo de cálculos, pois na realidade, não havia cálculos. Acordava, respirava e ouvia o canto dos pássaros, e a cada ciclo em que o cometa Halley cruza a órbita da Terra, ele também se apaixonava. Assim morreu O Meu querido Barão. Somente a mim ele tinha como único amigo, fiel criado e mordomo, o enfermeiro da casa de repouso dos idosos que adorava escutar suas birras e histórias todas as manhãs em que trocava suas fraldas. Agora morto, ele era um cadáver vítima do puro egoísmo de alguém que conseguiu todas as felicidades, e optou saboreá-las sob a cortina escura da solidão a dividi-las com estranhos, consangüíneos ou não. Um homem que preferia a noite ao dia porque se sentia mais seguro quando as ruas estavam livres dos ratos humanos. E mesmo assim ele acordava todos os dias bem cedo para cumprir com suas obrigações terrenas, pois o que mais temia era um dia ver sua própria vida ser invadida e dominada por essa espécie de roedores. 




Heitor Monte Cristo


7 de dezembro de 2011

São Vicente: O homem do prazer sem coração





Deveria ser umas três da manhã quando meu velho cadillac vermelho com o estofado branco rasgou à mil da ilha de Cuba. Era lua cheia, noite clara. O mar caribenho emitia um néon azulado do fundo de suas águas. Meu coração estava disparado ao cruzar a paisagem que separava o céu do inferno. Quase que em pé, com uma das mãos eu segurava o volante de revestimento avermelho em um raio de circunferência meio exagerado – coisa nostálgica desses modelos do passado, enquanto torcia a cintura para me virar para trás dando o dedo para a porra do que representou durante esses últimos 10 anos o maldito do Fidel Castro em minha vida. Ao longe pelo retrovisor, ficavam cada vez mais distantes as luzes dos carros que me perseguiam. Puxei de dentro das roupas - entre o sinto e a calça – a velha pistola enferrujada para disparar dois tiros em direção aos caras, queria comemorar o novo e assassinar o velho.

Sai a tempo de lá. Cuba já não era a mesma. Uma corja de escritores prostituía e deturpava a literatura ao difundir o pansexualismo como livre-arbítrio. A ideologia foi vencida pelo enclausuramento e pela doxomania. O que se via eram excessos de vaidade, arrogância a serviço da presunção fugindo a lógica e razão da natureza. Os princípios da sociedade estavam expressos até mesmo na arquitetura sem sentido dos edifícios em ruínas. Suas estrelas de metal pesavam mais de uma tonelada ostentando o falso brilho do regime decante, mesmo tendo de trocá-las de seis em seis meses para apenas satisfazer o ego de um maldito ditador; ou então, nas janelas paradoxais com metade da forma em arco e o resto quadrado. Esta era uma engenharia desniveladamente surreal que levava qualquer construção a destroços somente para satisfazer a vontade da ditadura do barroco. Assim, sem questionar, a sociedade fazia oblação de si mesma para esses auto-intitulados deuses.

Após dez quilômetros eu estava mais sossegado ao ouvir cada vez com mais ruídos a frequência da rádio silenciar o miserável merengue, música de maricas militares, resquícios de um ideal antiquado! Dali em diante, eu parti direto no sentido da interestadual americana que corta o deserto entre a Califórnia e Nevada. Depois de muitos anos preso naquele mundinho de guerrilha, eu ainda nutria o sonho de irromper Los Angeles e acordar bêbado em alguma capela de Las Vegas, pra ser casado com uma putinha cubana por um padre cover do Elvis Presley.

Quanto mais quilômetros eu percorria, o automóvel parecia criar vida própria. Não vinha ninguém na outra mão, era somente a luz do céu na minha face. Nós – eu, ela e o veículo – íamos aos goles, entorpecidamente, serpenteando cada centímetro daquela estrada.  Estrelas esboçavam cair do céu. A fumaça do charuto – última recordação, ao ar, ia se misturando com o monóxido de carbono que exalava do escapamento furado do meu conversível cheio de personalidade. Os dois dados vermelhos de camurça com bolinhas brancas embaraçados no retrovisor, me hipnotizava no balançar da viagem cada vez que eu tomava uma dose da derradeira garrafa de Tequila - ele era um carro de cafetão mesmo.

Eu seguia ao longe pensando distante em tudo o que havia ficado para trás. A putinha se excitava com a bebida e o vento: peitinhos e púbis agora eram acariciados. Meu caralho nem ficava duro só de pensar que Havana não era mais a mesma. Ela mais parecia o Vietnã após um ataque de Nepal. Carros velhos, tanques de tétano se via aos montes. Nem photoshop resolvia. O talento da população era sufocado em programas governamentais que não conseguiam obter bons resultados frente ao mundo globalizado. O comércio era o mesmo: quarteirões e mais quarteirões de prédios velhos de tetos abertos onde às meretrizes comandavam. Soldados entediados todos os dias iam lá. E mesmo de longe, tudo isso ainda me causava uma grande náusea. Aquilo mais parecia um chiqueiro Latino Americano.

Minha garotinha nem se importava com isso, era uma vítima dessa imensa selva. O que restava de seu coração foi enfiado com espada, dia após dia, buceta abaixo. Com o carro em movimento ela descia o mini short diante do retrovisor para ver se o contorno estava do seu agrado. Tudo isso ela fazia com uma ingênua crueldade, características indispensáveis para as personagens nabokovianas. Ela era uma linda adolescente com hálito de vômito e sexo.

A ninfa loira ao meu lado que não falava nada, em tudo me acompanha, nas doses e tragadas. Suas luvas douradas três quartos, eram do tipo que as madames chiques e bregas usavam nos cabarés noir da França. Perguntei se não estava fora de moda, ainda mais as douradas, e ela me disse que era apenas para não sujar as mãos, pois alguns homens tinham muito esperma. 
Seios durinhos à mostra, não tínhamos vergonha um do outro. Ela, uns vinte anos mais nova. Eu me sentia o próprio lobo. Mas quando se está com uma garota viajando pelo deserto ruma à cidade da perdição, qualquer clima é clima! Aproveitei a situação e brinquei, propus que ela adivinhasse o que existe dentro de minhas calças no mexelhão das bolas. Por entre meus olhos bêbados deu pra ver que a silhueta dela riu por entre a garrafa de rum e a fumaça do charuto. E tudo isso foi magistral tendo a lua cheia como pano de fundo... Eu era um porco mesmo.

Ela era o fruto da imaginação pervertida de um hentai com mãe porto-riquenha e o pai, um soldado norte-americano. Adorava usar botas cor de pêssego com detalhes brancos, nunca conhecerá o pai, mas tinha em mente que o filho de uma puta era texano. Meus óculos já não enxergavam bem! Culpa do oftalmologista sem vergonha que cuidou somente da miopia e do astigmatismo, ignorando o principal: a cegueira dos ébrios.

A bermudinha e a boina - ambos azuis - tinham ombreiras com franjas douradas no estilo paquita de pornochanchada. O decote ficava dois centímetros abaixo da virilha. Se tornava cada vez mais difícil prestar atenção na estrada com uma carona desse porte ao lado. A todo o momento eu perdia a atenção na pista. O fardamento militar era uma fantasia carnavalesca das histórias imorais dos desavantajados orientais. E depois de eu ter saído às pressas de Cuba, ela implorou pra vir comigo quando notou a confusão generalizada e eu entrando rapidamente dentro do carro. Eu não tinha tempo para muita conversa, levei-a comigo daquela espelunca sebosa, logo esperando ser recompensado.








Antes mesmo do programa, eu sentia que as coisas estavam no ar. O termômetro de testosterona bombava! Ela tinha cara de quem gostava de homens mais velhos. Não foi preciso conversar muito para perceber que ela sofria do Édipo Masculino. Não tinha nem duas horas que a gente havia se visto pela primeira vez, agora era estrada. Síndrome de Estocolmo! Fazia questão de deixá-la bem à vontade. Se vacilar, sou eu quem come!

Joguei no banco detrás o palitó sujo ainda com o fedor da última balbúrdia. O suspensório? Só botei de lado. Não retirei totalmente a indumentária, pois sempre fantasiava o sexo oral semelhante ao dos velhos gângsteres. Ela não via nada. Se via, permitia ser levada pela nova aura. Cantarolava umas músicas fuleras em castelhano com sotaque de bêbada. Uma perna fora do carro e a outra sobre minha calça, o volume cutucava a sua panturrilha. Grandes lábios! A jogatina havia iniciado antes mesmo de chegarmos aos cassinos.

Em um puro reflexo, apertei bem forte a cabeça do pau. E eu sabia que isso iria aumentar ou diminuir o fluxo sanguíneo. Por mera racionalização, apertei bem forte o chapéu panamá na cabeça. Vez por outra, o vento ousava tentar me tomá-lo. O sereno nos provocava arrepios. Eu já queria parar ali mesmo e arrancar o piercing da sua vagina com o pênis. Doida, chapada e rodada! Ela agia com a malícia de uma serpente a oferecer a maçã do Éden. Eu possuído, tinha a flauta mágica dos encantadores. Deixei que ela aumentasse o som o tanto que quisesse. Não falei nada quando ela começou a dançar em pé. Já fazia quase uma hora que eu vinha fingindo estar bebendo, por isso, ainda me restava um pouco de juízo para mantê-la segura por uma das mãos enquanto ela pulava sobre os bancos do automóvel em movimento. O pára-brisas protegia um pouco abaixo dos seios empinados. Durante a peripécia nenhum inseto foi de encontro com aquela linda face, tínhamos planos.

Em uma plantação de milharal onde não se via nada, ao longe, vez por outra, um caminhoneiro “arrebitado” passava com os faróis de neblinas ligados. Eu segui o acostamento tentando estacionar quando saltou de minhas calças a primeira lágrima. Dois dedos estavam dentro dela, mas ela ainda não tinha tirado o short. O veículo saiu pela culatra cortando para o meio do nada, só deserto! Ela ficou em pé em cima do meu banco de couro com suas botas sujas de barro a melar o estofado na região mais clara. Eu já vinha a um bom tempo do percurso imaginando descontar tudo com uma bela jorrada. Ia ensinar para ela como é que se vomita de verdade uma Tequila, mas pela boca da pica!

No rádio tocava o som de um cassete antiquado. Nem desliguei o carro, chave na ignição, motor e luzes ligadas, saltei na boca dela enquanto ela falava o que eu acho que eram palavrões indecorosos no idioma dos povos “merengueanos”.  Abrimos a porta do passageiro aos chutes como quem tenta desesperadamente se livrar de roupas intimas em chamas. Quando fui tirar as calças de fino moletom em estilo social praieiro, sem querer soltei um peido de bêbado. Não fez barulho, mas teria fedido muito se o lugar não fosse tão arejado. Fora de si, ela nem notou. Mas se tivesse percebido era até capaz de encostar o ouvido, tão anormal era o seu estado. Eu só baixei as calças, levantei a camisa, e com a parte flexionada dos joelhos fora do carro, deitei todo o corpo em perpendicular aos dois assentos. E assim pude me deliciar da lua perante agachamentos que aquela bela moçoila realizava na cabeça do meu pênis. O som era lindo! Ritchie Valens cantava histericamente “La Bamba” enquanto eu fazia cócegas com minha glande pelas bordas de seu ânus.  Ela pulava e saracoteava sobre minhas bolas igual a uma égua em meio ao tiroteio da Inquisição Espanhola.

O bronzeado da calcinha asa delta não me permitia sentir remorso de desperdiçar esperma. Eu a comia por trás e sentia a hipersensibilidade da marquinha de biquíni no bico dos seios dela só de apalpá-los na palma das mãos. Ela batia com o meu membro em seu rosto a realizar um gesto que até parecia o sinal do Pai Nosso feito por aqueles que recebem a benção em um banho de água milagrosa. Eu pegava fogo dentro dela, e pelos gemidos, sei que ela também sentia a ardência. Eu me exauria, amolecia e endurecia, de tempos em tempos, naquele local.


Depois da relação sexual, agora nós dois éramos clandestinos desaparecidos no caos! O percurso parecia conhecer nossos pontos fracos. A estrada era a língua do diabo tentando nos engolir. Atrás de nós sempre estávamos praticando o exercício rumo ao buraco negro de nossas feridas internas que ficava no final da esteira ergométrica de nossas mentes. No sentimento de culpa, o pós-coito foi ruim para ela e para mim, pura rebordose.

Após percorrem uns dez quilômetros somente de cueca Box, vesti as calças. A garota começava a cochilar virada para o outro ela, a cobri com o meu paletó desgastado. Comprimida no banco do carro de conchinha, eu sabia que o que ela sentia era frio.

Novamente os pneus queimavam a cada toque. Fedia poliuretano no ar. Ainda noite, as nuvens estavam avermelhadas em sintonia com o néon que iluminava em baixo do cadillac velho. Adesivos de sangue e fogo na lataria do automóvel davam um tom mórbido de salsa e rock a esse cenário de encurralados. A vida tinha um cheiro de segunda-feira ressacada, ócio e masturbação. Homens reais andavam pelas ruas oprimindo a alma dentro de um belo terno. Mas eu não era um desses idiotas. E não sei como sobrevivi por tanto tempo.

Na madrugada o deserto só ouviu uma canção. E eu, um puta pilhérico, parodiava tudo na sacanagem:

“Vim aqui para ensinar/ como se dança o merengue
Enfie o dedo no cú e comece a girar/ depois tente soltar um peido.”


Quando cheguei em “Vegas”, o sol fundia os cérebros. O carro e eu estávamos de tanque vazia, ela ainda não despertará. Ao andar - só em uma rua - vi escadas rolantes ao ar livre, Michael Jacksons, limusines de todas as espécies e noivas, muuuitas noivas! Queria fazer surpresa a dois desconhecidos, pois eu tinha quase certeza que ainda estava bêbado. Procurei uma capela - de preferência - que nunca estivessem pisado os pop stars. Little White Chapel, Wedding Chapel... Eu tinha que encontrá-la – e rápido - antes que passasse o efeito da madrugada.

Deu duas engasgadas! Ou eu parei o carro ou então acabou o combustível. Só sei que antes do motor desligar ele deu algumas soluçadas. E eu nem estava com um copo por perto acaso ele regurgita-se algo. Me olhei no espelho e mexi no cabelo mesmo sabendo que não adiantaria nada. Abotoei o último andar da camisa, e em pé, levantei as calças e alinhei a fivela do cinto rente ao zíper, afinal, não queria que o capelão desconfiasse do meu estado lamentável. Dei a volta apressado no carro como se convidados nos esperassem. Não permiti que ela andasse, sonolenta a carreguei no colo. Se via casquinhas de gala seca no canto de sua boca. Ela ria recobrando o juízo e o cheiro exalava a boquete, cú, vagina, pênis, álcool e charuto, denunciando a nossa folia da noite passada. Na verdade, ela estava maravilhosa! E no fundo eu sabia que nós já haviamos nos casado quando ela me fez provar do meu próprio sêmen.




Heitor Monte Cristo
 

2 de dezembro de 2011

Construtor-mor



Um sinônimo de deus? O homem! Essa matéria bruta sintética divina. Divinéia é o nome de uma deusa, e como deve ser bom fazer sexo com os deuses!

O cristão diz que deus não tem apetite sexual, já eu prefiro falar o que der na cabeça. BLÁ BLÁ BLÁ !!! Qualquer porcaria vira arte mesmo.
Vós vos alienais e o sintoma da alienação é pensar não ser alienado. Sinto pena dos pobres coitados, e sinto mais pena ainda são dos ricos coitados. A maioria deles é louca e nem sabe.

Corre celulose em suas veias, eles são matérias orgânicas mortas semelhantes a uma mesa ou um objeto inanimado, enquanto eu é que sou louco por tentar ser um pouco mais real.

Pobres possuidores de almas! Eles apenas as possuem enquanto o que vos possui de verdade é o dinheiro. E se supérfluo é a matéria mais supérfluo ainda é o produto da matéria. Porque dinheiro demais prende, e de menos limita. Então eu quero dinheiro o bastante para que me sinta livre e não precise me importar com nada.

Existem dois tipos de liberdade: a de tempo ou cronológica, na qual lhe é permite fazer o que quiser, na hora em que quiser. E a financeira ou material, que lhe permite ter o que quiser.

No esquematismo em que vivemos, na sociedade da qual fazemos parte, para ter uma é necessário barganhar a outra, se fazendo das duas algo incompatível. Mas eu vos ofereço ambas ao mesmo tempo, a partir Do Ócio e da Riqueza.

Perdi boa parte do meu ímpeto, me tornei um hipócrita. Finjo que ele não me importa, e desaprendendo a amar, sofro sem chorar.

Mas isso não me torna matéria morta porque ainda há uma inquietude em mim, calafrios! Existe um assunto impregnando minha consciência, comentários de Shakespeare a respeito de sonhos e realidade, onde uma começa e o outro termina.


Ricardo Magno