19 de julho de 2010

Marquês: O “bacuriense” do Bronxs


Foi em uma dessas minhas noites em bares que vi pela primeira vez o Marquês. Há uns três ou quatro anos atrás. O local foi onde era o antigo e famoso bar dos universitários Uemianos chamado pelo mesmo nome do dono, Claudecir. Estava lá eu, meu primo e mais um amigo nosso quando o Sade, em pessoa, entrou no bar, parou do nosso lado em frente ao balcão, e deu um MP3 ao vulgo garçom, cujo codinome é Off line, com a exigência de que fosse tocado imediatamente. Sem sabermos que se tratava de uma plataforma de tão grande capacidade de compressão, esperamos pacientemente que o MP3 acabasse - e não era porque não gostávamos dos Ramones, mas a noite inteira não dava. Na segunda etapa do vestibular foi um pouco diferente por causa do meio e das exigidas formalidades, mas lá estava mais uma vez o Marquês em volta de minha vida como se as nuvens formando no céu já quisessem anunciar alguma coisa: O meu Corvo Allanpoeniano.

Jairo Morais de Carvalho Alves, o nobre Marquês de Sade ou poético e escatologicamente conhecido pelos amigos e as demais espécies noctívagas do submundo underground Imperatrizense como O Poeta do Cú! Fumante inveterado a mais de dez anos e morto de apaixonado pela música, boa cultura e a Sétima Arte, é uma disciplina extracurricular em pessoa do curso de Comunicação de Imperatriz. O profundo conhecimento da música e do cinema de qualidade o fez um encantado colecionador de discos de vinil e filmes de arte.

Scorsese, Polanski e Coppola dormem todos os dias na cabeceira de sua cama. Sem falar dos menos conhecidos e não por isso menos talentosos como o Cronenberg, Lars Von Trier e o Lynch. Todos povoam o imaginário desse irreverente e criativo jovem escritor e cineasta local.

Acorda seis horas todas as manhãs para ajudar o pai no açougue que eles têm em casa, localizado no Bairro Bacuri. E lá mesmo, com auxilio da TV fechada, em meio a um cliente e outro, ele vai aumentando os seus conhecimentos de filmes, curtas e documentários. Quando nada na programação é bom, um bom livro nunca falta. Assuntos excêntricos do tipo Hunter Thompson, Sade, Serial Killers e todo o universo performático do Tim Burton passando pelos quadrinhos do Alan Moore o fascinam poderosamente e se fazem como o séqüito de sua vida. Mas foi com o Spike Lee que ele descobriu que era um “bacuriense” do Bronxs.

Namorando a mais de cinco anos com Natália, eles planejam de uma forma não muito convencional à lá Frida Kahlo e Diego Riviera, Sartre e Simone, igualmente se casarem: cientes que o casamento é uma instituição falida, mas que, apenas o praticando conscientemente é que se pode encontrar o amor verdadeiro.

Cliente assíduo de dois dos mais freqüentados bares próximos de sua casa, o Mustang e o Bar do Claudeci, são por mais de setenta por cento do dia sua mais fiel e perfeita morada. Enchendo o copo de cerveja como quem bebe pinga e se abstendo totalmente da vodca, praticamente todos os dias se pode encontrá-lo nesses mesmos lugares. Bebedeiras diárias que nunca o impediram de cumprir suas obrigações matutinas, mas que vez ou outra sempre acabam irritando o senso de responsabilidade e moral dos seus pais.

Contrário ao instinto de preservação e autoconservação da espécie, não á toa nas brincadeiras de criança, ele quase mata o seu segundo irmão asfixiado em baixo de um balde, no qual sem ninguém perceber, ele ficará sentado enquanto sua mãe dava falta do sumiço. Sendo o mais velho dentre três, foi por alguns episódios deste tipo e por causa da inesquecível – principalmente para a professora – aula sobre Tiradentes que ele ficou conhecido como o ovelha negra. É que ainda menino após uma aula instigante sobre nosso herói nacional, Jairo experimentou pra ver o que acontecia se ele também tivesse o mesmo final de nosso ícone histórico.

Adorador incondicional da panelada, bofe frito, língua de boi e buchada logo se percebe que o paladar anda bem afinado com os vícios do álcool. Sem esquecer o célebre bar do Peixe Podre, que por advento da globalização ficou mundialmente conhecido por entre todas as extremidades da Praça União como Dead Fish Rock Club. Outro infalível reduto do Marquês, O Sade. Por horas até melhor do que os demais em se tratar de um local menos visível onde sua mãe não passa frequentemente e ele não tem que disfarçar com um copo de água uma ressaca que na realidade mesmo se existisse com certeza não seria o motivo para ele parar de beber.

Caetano, Chico, Cartola, Gonzagão, David Bowie, Mutantes, Waldir Azevedo, The Strokes e Los Hermanos, Amadeus a João Duvalle... E tudo onde pode ser encontrado técnica, qualidade advinda de enorme inspiração e talento, dos mais diversos gêneros são dignos da admiração de Jairo, como se nele, ele fosse e essas coisas formassem a síntese da síntese de todos os traços.

Descrever o Jairo é o mesmo que dissecar o perfil do perfil de um mesmo personagem. É a busca pelo refil do perfume de um aroma raro cujo cheiro varia de acordo com a temperatura do ar, a compressão do frasco e o engenhoso mecanismo do spray que de condensado o permite ser evaporado, tragado pelo ar. 

Semelhante a personalidade de um Super-herói cujo qual já não dá mais para discernir quem é o Clark e quem é o Super-homem, onde começa o Batman e termina o Bruce Wayne; assim se confunde no Sade quem é o ego e o alter-ego. Magro, alto e careca de cabeça raspada desde a adolescência por preferência, vez ou outra a brincar com a barba sempre deixando um cavanhaque ou uma barbicha no estilo bicho solto.

Fino, esticado e mesmo assim barrigudo, o que mais o faz parecer uma cobra barriguda que acabou de engolir um sapo. Assim ele se arrasta pelo pátio da Universidade respirando fumaça intermitentemente igual a um trem que pára por todos os cantos, só que com um colar caseiro de miçangas com traços indígenas que ele fez inspirado nos xamãs somente por ter achado elegante o que o Jim Morrison tinha. Mas acima de tudo, Flamenguista sadio e com letra bem maiúscula. Ao termino da universidade, em qualquer lugar do País, o mestrado de cinema o espera peidando e arrotando publicamente como todo bom anti-kitsch e anti-acordo categórico com o ser faz.




Ricardo Magno

3 Comentários:

Gonzo Sade disse...

Esse personagem é bem estranho, não?

Anônimo disse...

muito bom mesmo...

Ricardo Magno disse...

Tendo o Jairo como tema de dissecação, fica fácil descrever o personagem.