19 de julho de 2010

Na toca do lobo

Toca a campainha sempre que ao fundo o cachorro late; ele vai ver quem é com a colher na mão, é ela: a vizinha da esquerda que lava o carro mostrando os peitinhos. Vive sem sutiã, com a camiseta; e agora, ali na porta, ela sorri com uma xícara na mão, os biquinhos cutucando a camiseta que vai até os joelhos, e ele não consegue dizer outra coisa: - Camiseta de hoje?
Ela se olha como se só agora percebesse e fala como para si mesma: - É mesmo, camisa do meu querido homem... Do tempo em que ainda me avisava antes de viajar.
Então olha nos olhos.
- Acontece que estou de férias, acredite se quiser, meu talão de cheques acabou e...
Estende a xícara, erguendo uma perguntinha com a sobrancelha – e ele responde que sim, tem açúcar na geladeira. Explica que só usa mel, mas tem açúcar para visitas:
- Na geladeira pra não atrair formiga.
- Atraiu uma vizinha – ela sorri com os olhos.
Ele corre para a cozinha lembrando da panela no fogo. Ela entra na sala, ouve lá a colher raspando fundo de panela, e depois o chiado de comida fria em panela quente. Fica na sala olhando fotos, fala baixinho – Arroz ou macarrão? – e vai cheirando o ar e vendo mais fotos pelo corredor. Ele grita se ela não quer entrar, ela responde olhando por cima do ombro dele – Já entrei – e vê que é macarrão instantâneo misturado.
- Meu Deus, é a panela mais amassada que já vi em toda minha vida. Não sente falta do tempo em que às mulheres ficavam na cozinha?
- Sou lobo – ele fala baixo.
- O quê?- ela retruca.
- Lobo – ele roda a colher na panela. – A ronda de caça de um lobo é de uns 50 quilômetros por dia. Tem família, tem toca, mas gosta de andar sozinho e, quanto mais velho, mais sozinho.
Desliga o fogo e vira para trocar um olhar com ela, mas percebe que está novamente sozinho: ela está no quarto vendo os textos na parede. Ao retornar para a sala, ele vê que a porta está fechada, e não foi vento – Há Há Há! O circo e as barracas com todos seus “pauzinhos” já estão armados.
Tem perfume no ar. Enquanto ela olha as fotos, ele observa ela dos pés à cabeça, sabendo que ela sabe que ele olha. As pernas douradas: é verão e, de manhã, ela atende ao carteiro de biquíni; sai com um pé na calçada, outro na soleira para assinar o recibo e assassinar o pobre diabo do mensageiro.
Coberta pela camiseta solta, está a bundinha que empina lavando o chassi do carro; a mesma bunda que pula na ponta dos pés para lavar o capô; a bundona quando agacha para limpar as rodas. E também estão ali, ao alcance das mãos, os peitinhos que rodam num gesto circular; e a nuca, os cabelos que ela arruma mesmo com as mãos ensaboadas, agachada de olhos fechados , parecendo gozar de cara para o sol. Agora com os cabelos presos, dá pra ver os pelinhos loiros da nuca enquanto ela rir de uma foto.
Com o perfume no ar, ela cora leve enquanto namorados se beijam atrás do vidro da tevê, ela também faz bico em beijinhos com o rosto iluminado – e ele vê os peitinhos subindo e descendo à medida que ela respira fundo e rápido.
- Casais gostam de se beijar – ele aproveita o gancho.
- E quem é que não gosta? - Ela responde ao golpe, erguendo-se sem levantar o olhar.
Ele engole tão seco que dói, dá um passo quase tropeçando, leva um tempão erguendo a mão, pegando pela nuca e sentindo a maciez dessa pele, enquanto ela já agarra pelos quadris e se abraçam forte, ele fechando os olhos, ele beijando a testa, os cabelos, e ficam respirando fundo, quase aliviados se não se apertassem tanto.
- Na toca do lobo – ela sussurra.
- Lobo – ela ergue a boca abrindo os olhos e se beijam com aflição, tonteando de olhos fechados.
Param para respirar e ela fala no peito dele – Vocês lobos são todos iguais, todos crianças.
Beijam mais e mais, as línguas se enrolam endurecendo; e ela vai lhe arando as costas com duas grades de dedos; enquanto ele com uma mão lhe aperta a nuca e a outra desce até agarrar a bunda por cima da camiseta no estilo mais típico do conselho no livro de Cânticos do sábio rei Salomão. E ela estremece.
Já se beijam nos olhos, no pescoço. Ele enfia a língua na orelha, ela se encolhe dizendo que não – ainda não -, senão fica louca.
- Fique - ele fala enfiando a mão pela camiseta, calcinha adentro, e um dos dedos se enfia pelo rego.
- Ainda não! – ela se afasta com as mãos no peito dele. Olha firme em frente com um olhar que atravessa até um ponto longe.
- Antes, eu quero fazer uma coisa.
Ele avança, ela afasta esticando os braços:
- Eu vim na tua toca, quero que seja como eu quiser.
Agacha na frente dele, sempre olhando em frente, e agora é a mão dela que demora um tempão; ali agachada e ele olhando para baixo como numa janela: os peitinhos, a mão dela viajando tão devagar que ele range os dentes e parece que até o ar range; até que ela toca nele com a ponta do dedo, deixa o dedo escorregar pela ponta da unha, depois sobe alisando com os quatro dedos – e ele lhe agarra a cabeça, enfia um dedo em cada orelha.
Com uma mão ela alisa, a outra sobe até a fivela – e é um cinto que ele mesmo não abre fácil. Ela tenta, tenta, ele vai ajudar e leva um tapa na mão. Ela junta os joelhos no chão e se estica até encarar a fivela a dois dedos do nariz; aí consegue abrir, concentrada como quem conserta alguma coisa, e depois vai com as duas mãos no zíper, e o zíper faz zipt.
Ele junta as pernas para ela puxar para baixo a calça, ele pisoteia e chuta para trás.
A cueca está inchada.
Ela toca, escorrega a mão, ele geme agarrando as próprias coxas – e ela agarra também.
- Cacei um lobo – e faz bico, dá um beijinho na cueca.
O pano está pulsando.
Ela aperta a boca ali, ele começa a gemer baixinho, ela dá mordidinhas, cada uma mais forte que a outra, até que ele geme alto e ela pára, afasta olhando como se estivesse fazendo arte. Num gesto só, tira a camiseta puxando pela cabeça. Aí enfia a mão na cueca, puxa para baixo e arregala os olhos. Ele afasta um pé, ela estica a mão.
Ela pega e aperta leve, um apertão entre cada palavra. E ele geme quando ela pega o saco com dois dedos como se pegasse uma uva, e enfia na boca. Enfia e tira, lambe e torna a enfiar, mastiga leve, suga, mastiga, tira e agarra com as duas mãos, a uva vermelha; enquanto o tronco do cacho parece que incha e brilha ainda mais, permutando com a glande que de tão grande e brilhante mais parece uma bola de bilhar, então ela diz:
- Você me avisa, tá?
E quando ele começa a gemer, ela sussurra de novo:
- Quero ver o leite do lobo.
A língua estala. Ele começa a arfar, ela engole, suga, morde, suga e lambe mais; e ele começa a tremer. Segura na mesa e avisa – Vem vindo!
Ela solta um gemidinho – Vem!
- Vem vindo, vem vindo! – como um manobrista, ele estaciona a chegada do coito.
Ele vai dobrando as pernas até ajoelhar com as mãos para trás, ela se curvando ajoelhada para acompanhar. A tevê ligada parece que fica observando.
- Vem... vindo! – ele quase grita e ela aperta com as mãos se afastando para olhar, de boca e olhos bem abertos, recebendo o esguincho nos peitos.
Ele uiva baixinho deitando de costas no chão; e fica arfando. Ela então lhe agarra uma coxa com as coxas em tesoura, e se esfrega, apertando até gozar, enquanto a mão lambuza o peito melecado. Depois deita a cabeça nele e fica ronronando. Cachorros latem lá fora.
- Você tem peito de quem nunca foi mãe.
- Não tive leite, mas tive um filho. Mora com minha mãe.
- Grande chance de virar veado – ele olha a foto do dito cujo que ela lhe mostra.
- Mas se não for burro e nem machão – ela fala suave – pode ser feliz.
Ele suspira.
- Esse suspiro está dizendo que saco, mais uma feminista...
Depois de algum tempo, ainda deitados na cama, mas já com algumas coceirinhas, ele passa a lhe acariciar o peito. Eles trocam tantos carinhos que as mãos às vezes encontram os próprios corpos, e de vez em quando se encontram as mãos, apertando dedos, enquanto o tempo passa como se ficasse.
Em meio a divagações femininas, ele parece que nem ouve, mas de repente fala que o homem é o bicho mais complicado: o castor faz represas para morar; o homem, para ter força e luz. As abelhas têm rainhas, mas não impérios. As formigas têm operários, mas não presidente que organizava greve...
Ela rola pela cama, se levanta e vai para frente do computador. Na escrivaninha, ele vê que tudo está lá como se fosse um cenário bem-comportado para um filme pornô: a estante, a cadeira, os livros e o dicionário, papéis de rascunho e canetas – e ela empinada com as duas mãos no teclado, braços esticados, pernas retas ao mais distante possível do monitor a observar a máquina de fazer, entre tantas coisas, textos. Assim ela está toda aberta.
- E ele agacha, ela mais se arrebita para trás com os cotovelos na mesa, bagunçando a bagunça enquanto ele entra nela falando sacanagem, e ela retrucando.
Ele goza uivando, e ela goza soltando gritos.
- De novo! Meu Deus, de novo! – e ele deixa, seja o que deus quiser.
Depois acabam deitando sobre os papéis, que além de amassados ficará suado, por isso ele levanta logo, vai para o chuveiro. Quando volta, pelado, cruza com ela no corredor, silenciosa. Ele se veste na sala, os quadros olham. Ela volta do banheiro, cata a camiseta, veste, depois a calcinha, e enfia os pés nas sandálias. Senta e fica olhando.
Ele diz que é uma ótima rua para se morar, trânsito calmo, mas a estrutura da casa é velha, o teto é baixo e o seu quarto carrega uma escuridão acompanhada de calor insuportável.
Ele vai para a cozinha e volta com uma xícara cheia de açúcar. Ela ri:
- Tenho muito açúcar em casa! Está me mandando ir embora?
Ele diz que não, claro que não, só não sabia o que fazer de repente, e encheu a xícara.
- Estou te enchendo, não é?
Ele garante que não – É bom ficar contigo – e ficam se olhando em silêncio; até que ela diz que ele tem razão.
Depois se olham fundo e ele diz que, no entanto, apesar de toda essa modernidade de relações, que se vê até na arquitetura, com tantos prédios de apartamentos quarto-sala para solteiros e quartos com ante-sala para solitários... apesar disso, a gente sempre acaba se envolvendo, não é?
Feito aranhas cruzando teias, diz ele olhando longe, lobos cruzam rotas; e ela diz que sim, claro, o casal é a nossa primeira prisão, o útero a segunda, depois a família, a escola, a turma, os costumes, as leis.
- E a libertação é a paixão, mas acaba – ela conclui.
- Você é a mulher mais machista que já conheci – ele bate o martelo.
De repente, fantasmas estão entre eles, no ar, ouvem até as próprias respirações no aposento cheio de silêncio.
Assustam quando um dos celulares toca. Ele estica o braço, mas acaba deixando tocar, e o telefone toca, toca, eles se olhando nos olhos, toca, toca, pára. E de repete, um fala para o outro:
- Vamos celebrar!
- A nós, nem que seja por um dia e uma só vez – a esquecerem o ditado que afirma: “Uma vez não vale. Uma vez é como se fosse nunca”.
- A nós!
Casais e casais... Os passarinhos cantam, os peixes nadam, e ela se aninha nele enquanto sua mãe sempre lhe disse que era preciso pensar na velhice. Ele fala tão baixinho que, decerto, ela nem ouviu – mas ela ouviu.
Ela fala ainda mais baixinho. - Passarinhos cantam e mulheres se apaixonam.
Suspiro fundo e longo.
- Não, já vi esse filme. No fim, a mocinha sempre sofre.
Levanta, olha mais uma vez e depois vai até o portão, fica com a mão na maçaneta.
- Então, até.
- Não vamos deixar o filme acabar mal – ele a abraça por trás, beija a nuca, ela arrepia; e se vira, abre um sorriso forçado com os dedos:
- Final feliz, pronto.
Dá um beijinho de despedida, mas ele enfia a língua e as línguas se encontram e, quando vêem, estão indo as nuvens se beijando, tropeçando e arrancando as roupas. Incrível, diz ela, de novo!
Então, cada vez mais rápidos, ele fala trançando as pernas enquanto abre as coxas dela com os joelhos – pois é a hora da vingança!
Ela ri, a cama range, o armário velho começa a bater gavetas – mas à cama range mais e ela começa a saltar gritinhos...
Depois que ela vai, ele enfia as cuecas no fundo do lixo, lava uns copos, enxuga e guarda. Tira o lençol da capa e põe no cesto, pega outros e põe na cama – só depois, na cozinha, come a comida fria com uma fome de bicho.
Depois chove a semana toda e a luz do quarto dele sempre fica acesa até acabar todos os programas da televisão. No fim da semana já faz sol, o carteiro passa com o telegrama e ela atende semi-nua; depois deixa o lixo na calçada e olha para o final da rua. Ele se ergue e trocam um longo olhar a fazer nela calafrios esfregando as mãos nos braços. Depois entra; outro olhar antes de fechar a porta.
Os dois passam o dia andando pelas casas. Ela tenta trabalha, ele tenta ler, assistir filme, mas andam pela casa procurando o que não perderam. Então, vendo um filme de guerra, de repente ele resolve e pega uma xícara. Toca a campainha dela, ela abre a porta de roupão e ele estende a xícara:
- Tem açúcar para um lobo?
Ela sorri e ele entra imediatamente tirando o roupão. Logo os dois já estão no quarto suando os lençóis, pelados, sem ouvir as pombas arranhando os telhados e os passarinhos cantando enquanto uma velha espia tudo lá da janela.

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