Pintura da Itália Renascentista, Amor sagrado e amor
profano (Sacred and Profaned Love), no nível da descrição pré-iconográfica,
observa-se duas mulheres (uma nua, outra vestida), uma criança e um túmulo, que
é usado como fonte, todos situados em uma mesma paisagem.
A considerar a iconografia, para qualquer um que
esteja familiarizado com a arte renascentista é, por assim dizer, brincadeira
de criança identificar a criança como o Cupido, mesmo que decodificar o que
expressa o resto do quadro não seja tão fácil. Uma passagem no diálogo de
Platão o Symposium fornece uma pista
essencial para a identidade das duas mulheres; a fala de Pausanias sobre
Afrodite, a “celestial” e a “vulgar”, interpretadas pelo humanista Marsílio
Ficino como símbolos do espírito e da matéria, amor intelectual e desejo
físico.
No nível mais profundo, iconológico, a pintura
constitui-se numa excelente ilustração do entusiasmo por Platão e seus
discípulos no chamado movimento “neoplatônico” da Renascença italiana. Além
disso, a pintura oferece substancial evidência para a importância daquele
movimento no meio ambiente de Ticiano, no norte da Itália no inicio do século
16.
A recepção à pintura também nos passa alguma
informação sobre a história das atitudes em relação ao corpo nu, notadamente a
mudança de uma atitude de celebração para uma outra, de suspeita. Na Itália do
início do século 16 (como na Grécia na época de Platão) era natural estabelecer
uma ligação entre o amor celestial e a mulher nua, porque a nudez era vista
numa conotação positiva. No século 19, mudanças nos conceitos sobre nudez
especialmente sobre a nudez feminina, tornaram claro aos espectadores, simples
senso comum, pode-se dizer, que a Vênus coberta representava o amor sagrado, ao
passo que a nudez passou a ser associada ao profano. A freqüências de imagens
do corpo nu na Itália renascentista, comparada com sua raridade na Idade Média,
oferece outra pista importante a respeito das mudanças na maneira como os
corpos eram percebidos naqueles séculos.
Para além das interpretações e focando no método que
elas exemplificam, três pontos destacam-se. O primeiro é que, numa tentativa de
reconstruir, o que é frequentemente denominado “programa” iconográfico, os
estudiosos têm aproximado imagens que os acontecimentos separam, pinturas que
foram originalmente realizadas para serem lidas em conjunto, porém,
encontram-se atualmente dispersas em museus e galerias em diferentes partes do
mundo.
O segundo ponto está relacionado à necessidade dos
iconografistas de prestar atenção aos detalhes, não apenas para identificar
artistas, mas também para identificar significados culturais. Ciente desse fato
e, para explicar seu método, Morelli criou a personagem de uma velha sábia
florentina que diz ao herói que os rostos das pessoas nos retratos revelam
alguma coisa sobra à história de sua época, “se soubermos ler esses rostos”.
No mesmo sentido, em Amor sagrado e amor profano, ao
ter a atenção focalizada nos coelhos ao fundo do quadro, explica estes animais
como símbolos de fertilidade, enquanto analisar os relevos que decoram a fonte,
incluído um homem sendo açoitado e um cavalo sem rédeas, pode ser interpretado
como referências a “ritos de iniciação amorosa”.
E das conversas que os pintores da Renascença italiana
frequentemente tinham com humanistas não seria implausível sugerir que uma
variedade de alusões à antiga cultura Grega e romana pudesse ser encontrada em
seus trabalhos a partir da formulação de imagens complexas.
Pré-Iconografia, Iconografia e Iconologia
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