7 de julho de 2010

As coisas que escrevo e chamam de poesia

Prefácio

O pré é fácil. Difícil é prefaciar.

Nada mais, nada menos do que uma criança.


Dois cadernos azuis capa dura formato 148x210mm de 96 folhas. Um amarelo e outros dois com as mesmas medidas só que sem capas, ou melhor, o tempo já havia arrancado-as. Assim começou a cronologia da alma, igual a um bebê pelo aveso aparentando não querer nascer.
Cinco cadernos foram o suficiente para realizarem o parto da vida. E desde então comecei a escrever neles o que mais precisava falar e não conseguia dizer a ninguém. Como uma brincadeira, as idéias desordenadas vinham me visitar visto enquanto não passava de uma criança de 15 anos e ainda não havia nutrido material cognitivo suficiente para entender tudo o que se passava. Sendo assim, por várias vezes praguejei deus e ainda hoje o praguejo só para não perder o costume e não deixá-lo esquecer de mim. Desta forma aprendi a chamar a atenção das pessoas que me interessam.
A princípio não havia qualquer resquício de início. Era só eu, o turbilhão das emoções confusas que sentia, o caderno e a caneta. O caderno e a caneta! Meus óculos, o caderno e a caneta são meus amigos inseparáveis. Com eles aprendi a suportar mais de uma noite difícil.
Pois foi exatamente assim que desenvolvi a habilidade de substituir lágrimas por palavras. Desde pequeno me dedicando incansavelmente a ser o senhor de minha alma enquanto os garotos da minha idade namoravam, estudavam e jogavam bola, eu era o tipo “avoado”, disperso do mundo e das objetividades sempre metido em longas jornadas e encruzilhadas espirituais das quais quase ninguém nunca ouviu falar.
O tempo passou e 1998 ficou para trás. Agora com 26 anos ainda não acumulei conhecimento suficiente para mudar minha jornada, mas acho que somente agora posso vos explicar o que se passa por dentro de minha alma. Da alma!


Sejam bem vindos ao meu mundo!
Sejam bem vindos ao mundo!



Advertência!


Ao leitor



Não se assustem com nada que vos digo, porque, parcialmente é verdade e parcialmente é banhado de mentiras. Afinal de contas, o que é que escrevo mesmo? Não faço a menor idéia! Mas de uma coisa tenho certeza: odeio rótulos. Portanto não tentem me definir! Apenas me leiam sem me decifrar. Deixem um vão de imaginação aberto para tudo o que for escrito. Palavras são como pássaros a fugir dos significados que são suas gaiolas.
Apenas brinquem com meus signos. Se divirtam com eles como se eles fossem um quebra cabeça. Mas nunca ousem naturalizar vossas almas e interpretar uma palavra através de somente uma cara. Pois o que sinto vai além do que digo e o que digo é sempre infinitamente menor do que o que gostaria de dizer. O que sei e o que sinto estão sempre além dos limites de um papel.
O livro é um desabafo, suspiros e lágrimas. E para ele só existe uma pessoa porque são através das palavras que vou despindo pouco a pouco o corpo e a alma.
Escrever é deixar marcas tremulas no chão, o mesmo que descrever um caminho pela terra. Uma letra pode ser cada parte do corpo: as tortas nada mais são do que os medos e as fraquezas enquanto um conglomerado de palavras pode não dizer nada. Já um som, um significado pode ser meu sopro a tocar lhes com calma.







Sem começo ou fim



Nenhuma história tem começo ou fim, até mesmo porque elas se iniciam com o nascimento de nossos ancestrais e depois que morremos, embora se extinga uma pequena luz no universo, nossa vida continua através da fé, das crenças e no sangue sagrado de nossos descendentes.
Puro e exclusivamente para nos localizarmos no tempo, presumi-se que tudo começou desde todas as teorias da origem da vida, do após vida e inclusive esta agora que será a nossa história.
Antes de mais nada, é bom ressaltar que o personagem no qual se cria, criou-se a si mesmo e já não é mais a caneta do autor a narradora de sua história. Como um pedaço de madeira a virar Pinóquio, igual a um anjo que conseguiu escapar das fronteiras da onisciência, onipotência e onipresença de deus, agora é ele mesmo quem descreve sua própria trajetória; e cada letra, cada palavra, cada frase terá mil significados, porque a cada dia, numa permutação perfeita, sentimos e expressamos de maneiras diversas as mesmas emoções.
No dia 27 de dezembro de 2004, algo estranho, maravilhoso, e porém muito misterioso surge igual a linhas intermitentes de uma rodovia infinita que pouco a pouco juntará seus pedaços finitos para formar uma única reta cujo esta reta é agora a vida.
Surpreendentemente no clarão de sensações invisíveis, na ação de pensamentos inconscientes, fez-se do frágil e apagado rascunho de linhas pontilhadas, uma escritura viva, imutável e eterna. Sem saber exatamente como, quando e onde isto fará sentido, dormir, acordar, sair e ver a rua nunca mais serão as mesmas coisas. Embora o universo continue cheio de mistérios e cada segundo nos revele seus segredos inaudíveis, não há mais medo em viver. Mesmo não sabendo o que é esperado a cada momento, e por demais, de um simples preâmbulo talvez se faça agora uma linda história. Pois deste ponto em diante, o mundo e seus enigmas soam diferente, porque a voz já não é a mesma, o som já não é o mesmo e os ouvidos também mudaram.
Na questão espaço-universo tudo foi minuciosamente elaborado. Passaram se eternidades para hoje estarmos aqui. Passaram se eternidades para que apenas tivéssemos a consciência de que hoje estamos aqui, de que estamos em algum lugar, e que de fato, existe algum lugar. Como qualquer outra parte inerente à vida, o físico e o metafísico também são propriedades da existência. Diretrizes de parâmetros opostos que quanto mais percorremos mais nos aprofundamos neles. Criações de nossas criações porque daqui, deste ponto, parti-se de uma premissa cujo homem não é um ser acabado, e tudo dentro e fora, ao passar dos anos fica mais lapidado.
Igual a pedras disformes hoje no formato de rodas, igual a um primata com a sabedoria de sua época que agora dá rosas as suas fêmeas, um sentimento, uma sensação; um organismo, o coração; um lugar e a razão... A eternidade conspirou detalhadamente para que se fizesse agora o que agora está feito; para que tivéssemos agora o que agora temos; para que sentíssemos agora o que agora sentimos. Partindo da premissa de que não somos seres acabados, é fascinante, impossível e, porém irresistível não tentar interpretar por um segundo o milagre ou a irônica coincidência de que milésimos dos quais não vemos, poderiam nos revelar.
A hipnose vem pelo início de tudo, pelo surgimento de cada etapa a formar cada peça do quebra-cabeça final. Mas provavelmente tudo deve ter começado com uma idéia e de um único ponto a divergir por várias diretrizes. As estrelas e os astros que nada nos dizem com suas verdades cintilantes têm tanto em comum com a nossa existência quanto o ser na outra face da terra que nunca conhecemos. Porque no universo, no mundo, na Terra, um ponto de várias diretrizes estão intrinsecamente interligados.
Sem muita possibilidade de estar errado ou certo, muitos processos físicos e metafísicos, químicos e anímicos, orgânicos e biológicos, inorgânicos e lógicos, irracionais e naturais, sobrenaturais e normais... Aconteceram numa gama de sucessões variáveis até que uma simples célula se tornasse algo e que uma única palavra tivesse significado. Pelo fato do homem ser inacabado e de uma palavra nascer sem significado, o homem também não tinha alma tanto quanto o universo é inacabado. Mas numa diretriz de várias ramificações, surge pela primeira vez na Terra uma palavra com significado e o começo de nossa história. A partir de então, nós passamos a ser gente, sol a ser sol... Com a origem do consciente.
Antes de qualquer noção ser criada, antes de qualquer forma ser alcançada, antes das crenças e dos valores precedendo a etimologia, o amor e a magia; muito distante da complexidade da vida moderna, removendo o curso das águas, retornando a origem antes do nada ser nada, antes do som e das letras. Muito mais anterior às faculdades mentais e da mente; muito anterior à desenvoltura física e o porte; bem anterior à biologia e geologia. Quando o ser não sabia que era ser, o que era o ser? Quando o ser não sabia o que era o ser, o que era ser?
Quando no céu nenhuma nuvem estava, quando no céu nenhuma estrela brilhava e quando o homem ainda não contava, quando a roda não girava e as crenças não rezavam. Muito além do além ser o além. Antes das letras formarem frases, antes das frases formarem sons, antes dos ouvidos escutarem, antes de qualquer coisa ser realidade. No tempo em que o universo, seres, a natureza se resumia a algo que a razão, o sentido e qualquer forma de expressão não conseguiam assimilar. Quando o homem não tinha ainda uma alma e a alma não era a alma, quando a criação não havia se criado na época em que não existia nada e nenhum raciocínio, expressão, por mais lógica que fosse não pudesse alcançá-la, porque também não havia lógica como também não havia nenhuma operação intelectual.
Naquela época nada havia se criado. Nem o físico e o espiritual. O homem era um ser inexpressível. Foi se as entrelinhas da história, foi se a gestação e infância do universo. Sem relatos, sem sentimentos, com a existência subentendida, porque tudo ainda estava em desenvolvimento, principalmente os dons intelectuais. A bola fumegante ainda não era sol e nenhum conceito sobre existir pairava entre os homens. Não havia o um, o dois... Nenhum cálculo, nenhuma inteligência, nenhum nada, nenhuma lógica normativa, nenhuma propedêutica, absoluto nada. Sem comunicação, sem ação... Ausência de expressão.
Vivia-se na época em que as épocas ainda não haviam sido conceituadas. Vivia-se na época em que não se sabia o que era viver. Não haviam dias, noites, horas, tempos. Não existia o simples e o complexo, não existia o abstrato e o concreto e nenhuma forma de pensamento, nenhuma expressão através de meios lógicos e racionais a que se pudesse imaginar aquele tempo. Nenhum raciocínio, nenhum neurônio, nenhuma mente... A criação não havia se criado e junto dela, nenhum conceito de amor, nenhuma forma algébrica, nenhuma noção de espaço e as palavras mais sublimes ainda sem almas. Cada pedaço do mundo físico e espiritual ainda não o era.
O ser existente era inexpressível porque não havia formas de expressão, não havia pensamentos racionais, faculdades mentais inteligentes. Por isso nenhum conceito fora batizado. Por não haver pensamento, também não havia idéias; por não haver idéias também não havia planos; por não haver planos também não havia estratégias.
No início, quer ele seja cíclico ou retilíneo, criacionista ou evolucionista, muito antes do Big-Bang e da ciência, da abiogênese, biogênese e consciência, além dos horizontes da vida e do universo veio a incógnita história das teorias da origem do mundo. Muito depois de tudo pré-acabado e das células primárias, veio os dinossauros num planeta isolado e bem distante daqui.
À priori de toda matéria, veio os pensamentos em deus. De deus. O cosmo, as estrelas e as galáxias antes da astronomia; a luta pela sobrevivência, a lei da selva e a seleção natural, antes das espécies e das espécies dos homens. Os homens antes das tribos, as tribos antes das sociedades e as sociedades antes dos estados.
Com a carruagem dos genes surgiram todas as vidas. Dos ancestrais primatas aos nossos pais; do estado natural e da barbárie ao contrato social; do canibalismo e da luta pela existência as guerras e revoluções; do imperialismo, capitalismo e socialismo ainda falta à solução; da colonização a escravidão, liberdade e retorno a prisão; dos liberais, conservadores e expansionistas aos opressores, tiranos e déspotas até aos republicanos e democratas ainda vejo dores.
Nascemos muito antes de chegar aqui, de vermos algo ou respirarmos. Cada vida é oriunda com a descoberta do mundo, e não há nada que não tenha existido no universo que também não traga reflexos em nós. Pois antes dos nossos pais e de nossos ancestrais, tudo já era nossa existência.
Poder-se-ia passar o resto da vida, uma vida inteira somente escrevendo a primeira página. E não é que as demais não sejam tão importantes, não é que não tenha nada mais para se fazer. Mas é que todas as outras páginas são precursoras somente desta e tudo o que for feito depois disto estará profundamente marcado por ela.
Então, a primeira página é como se fosse a mais importante de todas por sempre estar por detrás de todas, lá no fundo, totalmente esquecida, mas absolutamente essencial. Assim tentei sublimar a vida, pois só deus sabe, e somente ele haveria de saber, quantas vezes levanta-se e deita-se fudido, sem força, sem ânimo, totalmente coagido a viver. Mais triste do que isso é confirmar que a maioria das pessoas são assim, porque o que estou afirmando não tem nada a ver com a felicidade. Felizes ou não, vós também podeis seres assim. Vão por mim!

O não nascer da Teoria dos Doze Tons com Stravinsky

Como não se era de estranhar, nasci como todos nascem e vivi como todos vivem. Nisso, não há nada de especial na minha história. Fama, sucesso e glórias, dependendo de como vós vedes cada um disso, eu não tive absolutamente nada porque no fundo elas nunca me fizeram falta.
Um beco sem saída. Cara! Era sempre assim que eu me sentia ao amanhecer de cada dia. Num maldito beco sem saída sem ter a menor idéia de como fui parar aqui. Meus pais, pobres coitados! Entre tantas infinitas possibilidades, logo eu vim ao mundo. Meus pais se tornaram pobres coitados. Culpa do meu déficit de atenção. Por isso não consigo escrever outra coisa que não seja sobre mim mesmo.
Casas, ruas e pessoas. Dentro de cada uma, o mesmo drama, a mesma jornada enquanto passo mais uma noite em claro rezando para que o dia não amanheça. Já não consigo discernir um tiro de revólver da explosão festiva dos rojões. Já não consigo discernir! Ambos são facas de dois gumes.
Poemas intimistas! Antes de nascer, meu pai tinha 35 anos e minha mãe 20 anos. Minha mãe é de uma família abastada que perdeu tudo. Do clichê literário, reza a lenda que uma macumba acabou por completo com toda a prosperidade física e econômica do meu avô. De bem sucedido comerciante da baixada maranhense, ele passou até a ser perseguido pela polícia ao ser confundido com assaltantes. Sem sombra de dúvida, meu avô paterno se deu mal enquanto minha avó danou-se até se casar com ele.
E isto não chega perto nem da infinitésima parte do que veio a ser a minha história, do meu pai e de minha mãe. Seria muita pretensão escrever algo e achar que o que está lá é a compilação da obra de uma vida inteira. Nem mesmo se cada página valesse por nossos segundos. Daí, neste caso, quem seria o escritor? Deus...? Respondam cada um de vós como queiram. Mas o que eu queria saber é como fui parar aqui. Não aqui nesse lugar, nesta casa, com estes amigos e em frente a este computador. Mas nessa situação, nesta condição, com estes sofrimentos, porque isto sim faz a maior diferença, sendo que, amanhã irei me levantar e o mundo estará pouco se lixando para o que sinto. Sem eu pedir, ele apenas irá me impor todas as suas malditas responsabilidades como se antes de nascer eu houvesse me comprometido com cada uma delas. Fodam-se, bando de malditos! Não pedi pra estar aqui e isso não me é uma responsabilidade. Fodam-se, malditos!
Pra mim, a sensação que tenho é que o jogo começa e termina a cada momento. E sempre que ele começa e termina, tanto faz, estou sempre perdendo. Pra mim, a sensação é a de que todos estão loucos pra devorar minha carne. E isto, posso ver nitidamente em cada um de seus malditos olhos, pois eles me perseguem. Estou feliz com deus, estou feliz comigo mesmo, e por isso não sei de absolutamente nada.


Território em uso


Fecho os olhos e a partir de então estou dentro de um mundo onde cidades com arquiteturas arabescas estão em ruínas. Ao misturar minha subjetividade com a objetividade do mundo, vi numa Imperatriz a matriz cheia de karmas adormecidos. A beira-rio faz frente a um rio que não beija nenhum mar. Como um palco sem alma, várias vezes apresentei meu espetáculo sem ter ninguém para se apresentar. Conheço cada grama do gramado da beira-rio. Sinto as pessoas nos pisarem. Sinto o chão quente da Getúlio Vargas e o asfalto turbulento da Bernardo Sayão serem beijados pela chuva. Conheço cada matéria viva e morta que habitam sob a terra.
Penso o pensamento que ninguém ousa pensar. Nela, meu pensamento está por toda parte como ela em mim. A vida dos pobres numa Simplicio Moreira que liga o centro aos confins e o mausoléu das calçadas de vendedores ambulantes onde a gentileza grotesca dos moto taxistas perde feio para os homens das cavernas. Sofro junto dos leões de toga que fazem minha cidade chorar.
Na praça de Fátima dizem que a internet sem fio é de graça. Só deus mesmo para se conectar em tempos de raios. A Texana é pior do que o inferninho dos velhos tempos. Pois nela, a barbárie é programada enquanto eu prefiro a civilização Escandinávia. Até quando mais um império romano irá perdurar até que uma desconhecida lei qualquer de nossa economia o varra para os escombros do passado de nossa memória coletiva onde jazem todos os investimentos noturnos que não deram certo.
Imperatriz, a cidade que na noite tantas vezes já me fez chorar com uma maldita simbiose que não me deixa sair do quarto, sarcasticamente, mais uma vez rir para mim. E seus dentes amarelos me lembram a toda a espécie de famigerados que já se alimentaram nas quatro bocas. Imperatriz, mãe da farra velha dos garimpeiros e da Ester drink’s dos comerciantes da Bernardo Sayão: indicador de fluxo monetário da cidade. Elas me fazem lembrar toda a espécie de putos que já se alimentaram por lá.
Mas é somente quando a incompreensão de meus pais junto de minhas frustrações se confundem com os sonhos da cidade é que o fardo se torna mais pesado, e passo a entender o que é ser Imperatrizense de verdade. Imperatriz, terra de espartanos! De todas as ruas que me levam para casa, nela também encontro o caminho para a alma. Esqueci foi das vezes em que me achei e me perdi no confluente da Praça da Fátima. Lá onde o Paraíba é o maior símbolo do capitalismo do cangaço. À noite, o calçadão é tão intravenoso que dá até para escutar a pulsação por debaixo das calças e das minissaias de quem namora por lá.
Enquanto jaz eu bêbado com todos os anjos e demônios que nos rondam pela noite, estou aqui em frente à ótica do Maia a namorar os portões de uma casa que eram os das Lojas Brasileiras (Lobras). Meu deus! Como o teu tempo passa rápido à medida que a minha infância ficou congelada dentro de uma casa que não existe mais. Quero seguir adiante pelo asfalto de qualquer rodovia até vê-la fudida (fundida) com a piçarra da cidade. Quero ver onde tudo começa e termina.

No Imperador impera a dor de uma saudade

Foi no colégio Imperador que eu deixei o meu amor! Pois, só não sabendo o que é amar é que pode se amar de verdade. Foi no colégio Imperador que eu deixei algumas de minhas melhores amizades e coisas que somente o tempo haveriam de me explicar. Na piscina rasa que ficava ao lado da quadra de vôlei onde sempre jogávamos com a bola molhada, nesta piscina em que mal me afundava, para afogar a raiva de uma professora abusada, eu geralmente urinava dentro da água.
O caminho do sol, nem de perto chegou perto do sol. Mas a fantasia de carnaval, dessa nunca esqueço. E da loja próximo da lanchonete, a Vitasuco, que minha mãe sempre me fazia entrar arrastado e às vezes comer até mesmo que forçado uma vitamina com pão de queijo! Nunca conheci como também sei que nunca esquecerei as feições daqueles tão belos e ditosos atendentes.
Na loja de fantasias tive uma de minhas maiores decepções no tempo em que Jack Sparrow ainda nem tinha chegado à televisão, e a voz do capitalismo pela interseção de minha mãe havia me dito um não para a fantasia de homem aranha. Com ódio, fui pirata mais uma vez.
Na década de 70, quando Imperatriz mal tinha energia elétrica, de carona no caminhão, meu pai chegava à cidade enquanto meu avô, que veio antes, já se encontrava repatriado. Mesmo ainda não estando aqui, perdi das vezes em que o papai Noel mais com cara de Scrooge, esqueceu o presente do meu pai. Charles Dickens iria dar risadas de tudo isso.
Para uma criança de 13 anos, acostumado a viver poucos de seus sonhos numa realidade tão concreta e seca quanto era o sertão no interior da alma, no primeiro emprego, todos os dias minha avó lavava a mesma e única muda de roupa que meu pai tinha para trabalhar. Desde pequeno vivendo a felicidade de um arco-íris preto e branco, depois de grande, hoje eu sei por que ele sempre lança tanta projeção sobre mim.
Eu vejo a cidade que todos vêem. Mas a que vejo é só minha. Eu vejo a minha e a dos meus pais, a dos vivos e dos mortos, eu vejo a cidade de todos os olhos. Nunca mais sendo a mesma a calçada em que tanto sentei, onde irei sentar novamente? Não sendo o mesmo depois de cada vez que sento, dentro de mim, em que será que ela está me transformando?
Da minha cama posso sentir o cheiro do branco da cal nas quinas das calçadas a dizer: Podem estacionar! Pois com os impostos que pagamos, o carro passa a ser mais cidadão do que muita gente.
Foi em mais um show de forro que marquei minha adolescência. Lá onde não se há motivos plausíveis para dizer eu te amo, lá onde todos buscam suprir a dor antes que a música acabe, lá onde a carta é marcada e todos são presas fáceis diante de si mesmos. Quantas vezes vi castelos se arruinarem em bêbados que não queriam beber e alegrias que não queriam rir. Depois de algum tempo pude chegar à conclusão que a noite é um lugar de pouca gente preparada. OBS: Por isso, hoje, opto por ficar mais em casa.

Sheila

Sheila, a irmã do Aroldo, foi a primeira mulher mais linda que conheci em toda minha vida. Depois dela, perdi a conta de quantas vezes repeti essa hipérbole cada vez que cruzei um rabo de saia. Mas Sheila tinha um ar de especial que se misturava com a fantasia na mente infantil de uma criança onde ela se tornava fabulosa. Bem mais velha do que eu, enquanto tinha 10, 11 anos, ela já era casada e estava lá pelos seus 22, 25 anos.
Indiscutivelmente, ela era fantástica! Minha fantasia em pessoa. Estatura mediana, cabelos pretos e bem lisos a atrair todos os seres do sexo oposto que passavam pelo seu caminho. Só alguns babacas da minha idade, cegos pela imaturidade, preferiam andar de bicicleta e jogar bola a tentar a sorte de se deixar ser tocado pelo contemplar daquela criatura tão divina. Comigo foi diferente porque ela havia me atingido tão profundamente que suspeito de ter até acelerado o processo da puberdade. Tão linda e atraentemente angelical, nunca deve ter notado minha presença e a devoção que carreguei por ela por um bom tempo. Mas quem disse que é dever do sol conhecer cada grão de areia que seus raios beijam? Assim eu era para Sheila e assim Sheila se apresentava para mim. A musa eterna de meu subconsciente!
Nunca tive ciúmes do marido dela, pois a relação deles era real e fazia parte de um campo concreto de possibilidades dos quais nada me atingia. O que sentia ia além da compreensão racional dos laços sociais dos adultos. Não competíamos porque também não fazíamos parte do mesmo mundo. Ódio mesmo eu senti foi do Fábio (o Fabinho) no dia em que ele chegou à minha casa, extasiado como se tivesse sido uma das três crianças que vivenciou o milagre de Fátima.
Nesse dia eu quase morro e quase o mato por ter me relatado a experiência extra-sensorial de cada detalho secreto do corpo que eu mais havia desejado e nunca haveria de ter visto. Oportunista como quase ninguém é capaz de ser, pouco a pouco fui fazendo as pazes à medida que me descrevia sua história de subir nas casas atrás de pipa, no qual obteve a chance de vislumbrar a minha musa seminua, bêbada e ensandecida a caminhar pelos corredores da casa por ter brigado com o marido. Se o desentendimento e a bebida não tivessem lhe distraído, creio que, “as janelas de deus” não estariam abertas a dar condições de meu amigo se deleitar. Maldito campo visual que desejei tanto ter! Menos mal! Somente assim pude eternizá-la em minha vida. Sheila, o perfeito estereotipo do grande amor da minha vida. Beleza simples é a que mais chama a atenção.

“Seu Moacir”

Algumas pessoas realmente merecem ser homenageadas. Umas, pelos seus feitos tão valiosos, e outras por não fazerem nada. Seu Moacir, em 1996 já alcançava a idade de uns 70 e poucos anos. Mal meu pai se aposentará com 25 anos de serviços prestados antes que a lei o obrigasse a trabalhar por mais dez anos na época em Seu Moacir já tinha a idade do mundo. Mas o mundo de Seu Moacir não se importava tanto com ele quanto o mundo de meu Pai, funcionário público estadual ex-gerente do Banco do Estado do Maranhão (BEM). Pois já dizia a mitologia grega: Em terra de cego quem tem um olho é Gréia.
Velho, negro e sem família. Para sobreviver, Seu Moacir capinava as ruas e travessas mal atravessadas de todo o bairro. Sábado de manhã, eu, filho único de um casal de condição financeira razoável para os padrões maranhenses, dormia até 11, 12 horas enquanto Seu Moacir, desde as sete no sol quente da manhã Imperatrizense que mais parece o meio dia, já estava a trabalhar num trabalho que nem de longe um idoso deveria ralar.
Seu coração era fantástico! Quem dera das pessoas darem tempo para conversar com ele mais um pouco. Pele surrada a proteger os braços fortes. As mãos ríspidas eram tão grossas quanto o tratamento que a vida o dava. A verdade é que Seu Moacir, de uma forma ou de outra, nunca deverá ser esquecido. Justamente pela aparente insignificância de uma vida onde todos se sentem com a certeza em afirmar que não valeu de nada. Mas valeu sim! E muito!
No turbilhão da adolescência, sem encontrar consolo entre os de minha idade, era com Seu Moacir que costumava dividir a calçada por algumas riquíssimas horas a ouvir das suas histórias em que eu prestava bem atenção fazendo recortes na memória ao enfatizar somente os pontos que considerava mais relevante na minha busca infanto-juvenil pela verdade. Nisso, Seu Moacir foi para mim um Dom Quixote e um dos retratos mais honrosos de minha adolescência. Um dos alicerces de meu caráter. Um ser rasteiro de valor inesgotável, como diria Manoel de Barros.
Personagem real que aos olhos do bairro não passava de um desabrigado. Sem ter onde morar e o que comer, ele vivia de favores. Alimentava-se do que os outros davam e dormia no terreno dos outros enquanto os outros deixavam. Perdi a conta de quantas vezes o cabeção (Pablo) tirou onda com o velho brincando com seus hábitos de sustentar uma garota muito mais jovem. Pobre Moacir! Não foi o primeiro e muito menos será o último a cair na armadinha masculina da ostentação da virilidade.
Nesse tempo, eu tinha um tênis Reebok que quase enlouquece meu pai até ele comprar. Febre dos jovens de minha idade, preto de cano longo e com um mecanismo de encher por dentro para firmar os tornozelos a evitar torções, que se caracteriza mais com um dos muitos péssimos elaborados pretextos consumistas para justificar os altos preços a nós empurrar goela abaixo sem que não digamos nada. Comprado na DiPaula (uma das mais respeitadas e conhecidas sapatarias da cidade), a questão é que, com referência a época e as condições sociais de minha cidade, o tênis foi caríssimo.
A exigir algumas atenções, em hipótese alguma ele poderia ficar de molho. Jamais de molho! Uma jovem e iniciante menina que foi trabalhar na nossa casa, não se atentou a esse cuidado, e como eu o usava pouco, pelo fato dele ser cano longo e apenas mais um mero modo vaidoso e vergonhoso de ostentação e elevação da auto-estima na puberdade; de cara, ao calçá-lo, não percebi o descuido da empregada. Depois de lavado, a primeira vez que o usei em cada passada que dava o solado ia se esfarelando completamente até restar apenas a bota. Como ele ainda era novo e estava em perfeito estado, embora não servisse mais para nada a não ser que se colocasse dentro de um patins, me recusei irredutivelmente a usá-lo.
Quando sapateiro nenhum houve de dar jeito, meu pai, convencido de que não havia solução, encontrou o único meio de utilizá-lo e tirar o peso na consciência do dinheiro jogado fora, o dando para o Seu Moacir. Quase morri de rir ao ver o velho capinar a calçada com um tênis à lá filhinho de papai que custava mais do que o que ele ganhava em um mês de trabalho suado. Seu Moacir, fantástico, agora mais parecia o Seu Moacir, filhinho de papai, só que, sem casa.
Seu Moacir! Onde quer que esteja, um imenso abraço na alma, meu caro e caríssimo amigo inestimável. Insignificante diante de tantos, porém incomensurável perante o espelho da alma que cada um carrega dentro de nós. Inefável Moacir! É assim que os capinzais de minha consciência sempre irão se recordar de vós. Vez ou outra, é nas tuas lembranças que encontro a solução dos problemas atuais. Velho Moacir! Morrestes para o mundo, mas nunca para mim.

O vôo de volta para a Rua 4

A Flyback era a boate do momento na época em que eu chegava aos 14, 15 anos no tempo que em 1994 a seleção brasileira de futebol, depois de mais de 20 anos, se consagrava pentacampeã mundial na copa dos Estados Unidos da América (Estados Desunidos que quer para si toda a América). Enquanto o mundo dava mais uma de suas piruetas no espaço desconsolado, foi na Flyback que pela primeira vez na história da humanidade e também minha, bêbado, eu vi o mundo girar. Duas ou no máximo três latinhas de 350 ml eram capazes de fazer o estrago.
Nos tempos áureos existiam dimensões onde as crianças ainda tinham infância. Neste exato lugar, eu já me preocupava com os possibilismos que a vida me dava no quesito mulher. Foram as meninas da rua quatro que me levaram para o mal (bem pisado e desejado melhor) caminho. Lá, onde fingir ser caipira também rima com quadrilha de festa junina. Lá, dei meu primeiro beijo a ressoar estalos como se as bocas fossem desentupidores de cano. Lá, os problemas melodramáticos da adolescência, indiscutivelmente haviam me alcançados.
Por essas voltas em que o mundo se enroscava, quando aprendi a dirigir, mal dirigia todo final de semana e a Dom Pedro II das 2:00 da tarde num sábado escaldante a passar caçambas levando terra para as cerâmicas ao redor do rio, na impressão de um incipiente motorista, mais pareciam a Br 010 no ápice da exposição de um show de música sertaneja. Eu tremia nas bases!
Mas aquele fora um tempo onde minha criança ainda era criança, e meu lado adulto, querendo e com medo de querer ver, começava a abrir os olhos para o que hoje costume chamar de velho mundo. Naquele tempo Marcela havia me dado o meu primeiro, derradeiro, único e ultimo beijo na boca. Depois daqueles a maledicência de um Buda ditoso qualquer começou a dividir meu corpo com alguns outros seres nefastos e nunca mais pude experimenta a verdadeira pureza metafísica da relação entre dois corpos de tatos e sentidos totalmente despreparados. Comi a maçã da sabedoria, e agora, o mundo perderá a graça.
Na Flyback eu ganhei e deixei muitas amizades guardada em uma corda espacial qualquer onde a memória afetiva é quem canta. A poeira que subia e causava tosse quando dançávamos quadrilha ainda está lá no mesmo chão que ainda guarda as pegadas de muita gente que foi embora. E, mesmo que o tempo ficasse louco num eterno retorno, esse tempo nunca mais teria volta. É a memória do coração que toma conta desse acervo de vida, e não a do cérebro.

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