19 de julho de 2010

A Unidade originária

Segundo Freud, no início do fatal processo da cultura encontramos a adoção da postura ereta e o afastamento da terra. Essa mudança no porte humano é concomitante a um certo “recalcamento orgânico”, isto é, um recalcamento que agiu sobre o corpo, contra a existência animal precedente. Na antiga postura, os genitais ficavam parcialmente escondidos e o que ditava a atração sexual eram os estímulos olfativos. Mas quando o homem passa a caminhar sobre os dois pés, seus genitais ficam expostos e o olfato é depreciado em favor da visão.

Se antes a excitação sexual condicionava-se à periodicidade dos estímulos olfativos da menstruação, com a adoção da postura ereta e a exposição permanente dos genitais, a excitação sexual, como nos diz Freud, não se apresentou mais como um hóspede que repentinamente aparece na casa de alguém e, após sua partida, não dá mais notícias por muito tempo, mas se fixa como um inquilino permanente no indivíduo.

A continua excitação sexual e a permanente necessidade de satisfação levam o macho a manter junto de si as fêmeas, seus objetos sexuais. Essa relação era vantajosa para todos, pois se o macho teve motivos para se conservar perto das fêmeas, por outro lado, estas tiveram de permanecer ao lado do macho mais forte para não se separarem de suas crias desprotegidas. A aproximação entre macho e fêmea deu todas as condições para que a espécie prosseguisse em direção à função da família, à divisão rudimentar do trabalho e ao limiar da cultura.

Quando o macho uniu-se a fêmea, tal ligação promoveu a criação de barreiras aos fatores anti-sociais da pulsão (isto é, fatores egoístas e unicamente voltados para a satisfação sexual), e, consequentemente, levou os homens a se juntar em grupos cada vez maiores. Com isso, toda a função sexual é colocada sob renúncia constante, pois o grupo obriga perpetuamente o individuo a abrir mão de suas satisfações libidinais e a alcançar metas não sexuais, isto é, sublimadas.

Sem tal esforço, seria impossível garantir a criação da comunidade de trabalho e a construção da civilização.
Para Freud, todo o caminho percorrido pela espécie no abandono da Natureza é recapitulado de maneira abreviada durante o desenvolvimento infantil de cada individuo: todo ser humano traz em si um patrimônio psíquico filogenético que é recapitulado de modo abreviado durante essas fases. Esse patrimônio, revivido nas organizações oral, anal e fálica, permite a cada um dos membros da comunidade percorrer novamente o longo caminho que nos leva da animalidade à civilização.

Todos os homens revivem, assim, os acontecimentos que separam a espécie da Natureza. Neles, corpo e terra são novamente condenados a viver no submundo da civilização e compulsivamente recalcados. Quando ousam chegar à superfície, aparecem completamente desfigurados pela censura que recai sobre eles. Todas as obras da civilização são produtos sublimados “desse amor-ódio adquirido pelo corpo e pela terra”.

Com o esquecimento de sua antiga unidade com a Natureza, a razão toma as rédeas da civilização e define seu caminho da seguinte maneira: progredir é recuperar em registros individuais ou coletivos o afastamento do homem da Natureza, é regredir ao ponto inicial da civilização: à sua mortificação. Exceto em uma única situação, a saber: “O sexo é o corpo não-reduzido, aquilo pelo que anseiam secreta e desesperadamente todos eles. Na sexualidade livre, o assassino teme a imediatidade perdida, a unidade originária, na qual não pode mais viver. Ela é o morto que ressurge para a vida.”


Fonte: Revista Mente, Cérebro e Filosofia; Escola de Frankfurt

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