26 de julho de 2010

O Erudita e o Popular




Na evolução dos conceitos, a maioria do historiados estabelecem no século XVI o começo da distinção entre “cultura erudita” e “cultura popular”. Esta época serve como data de referência para assinalar o momento a partir do qual se reconhece que existe uma disparidade entre grupos sociais a ser traduzido em termos de gostos e costumes culturais.

O conceito de cultura popular é recente e está ligado ao processo de urbanização do século XVIII. A cultura popular divulgada pelo romantismo, ocupará no imaginário da burguesia oitocentista as memórias de uma sociedade que estava prestes a desaparecer. Símbolo de um povo camponês idealizado, trata-se da imagem que era a antítese das massas de operários, hoje, integrada “a cultura das massas”.

Por oposição ao conceito de popular, a partir do século XVI começou a se consolidar uma cultura erudita, alta cultura ou cultura cultivada, próprias dos grupos sociais dominantes. O traço mais relevante devia-se ao fato desses grupos dominantes serem os mecenas (compradores das obras produzidas pelas elites dos criadores). Após a Segunda Guerra Mundial, a situação começou a mudar. A distinção na fruição das artes passou a ser de grupos culturais, que não necessariamente, coincidia com os grupos sociais. A explicação para esse divórcio pode ser encontrada na natureza hermética das propostas estéticas das novas correntes artísticas.

Não vinculada a nenhum grupo e transmitindo de maneira industrializada para um público indiscriminado, a industrial cultural passa a interferir na existência de uma cultura erudita da elite e de uma popular obviamente do povo. Não fabricando produtos concretos, ela começa a vender uma ideologia, visões de mundo e desejos feitos para uma massa de pessoas, através dos meios de comunicação.

Ela não surge espontaneamente das massas, mas já é uma cultura pronta e fornecida pela classe dominante como um ponto de interseção entre a cultura erudita e a cultura popular. Tanto pela cultura erudita quanto pela popular, os elementos da indústria cultural são consumidos por ambos como se representassem algo em comum entre esses dois setores. A cultura de massa funciona como uma ponte entre elas, mas uma ponte prejudicial por que ignora totalmente todas as diferenças entre os produtores dessas culturas e se direciona para um público que não existe, de tão abstrato e homogêneo.

Com um processo de nivelamento cultural por baixo, no inicio do século XIX é constatado o primado dos gostos massificados. Imitando tudo o que hábeis artesãos produziam, mas secundarizando a perfeição dos produtos (a surgir os primeiros indícios da falsificação e pirataria). O objetivo era somente o de reduzir os custos dos produtos de forma a torná-los acessíveis a larga escala (um feedback do sistema consumista). Estas imitações baratas eram destinadas a consumidores com reduzidos recursos (proletariado) e de baixa formação cultural (pessoas que não conseguem distinguir o verdadeiro valor de um objeto original).
As elites culturais, então, criticavam (ainda hoje isso acontece) estas opções econômicas, afirmando que elas estavam a gerar uma sociedade de cretinos (como se eles mesmos não fossem só pelo fato de terem dinheiro).

O desenvolvimento tecnológico tornou possível reproduzir obras de arte em escala industrial, então inúmeros livros passaram a apresentar uma pintura de Picasso e uma massa da população passa a ter acesso a essa pintura, não necessariamente entendendo-as como algo de seu contexto histórico. Segundo o filosofo alemão Walter Benjamin, uma obra de arte ao ser reproduzida perde sua “aura”, que seria seu caráter único e mágico (típico da cultura erudita), mas em compensação isso possibilitou que elas saíssem dos museus e coleções particulares para serem conhecidas por um número muito maior de pessoas, assim contribuindo para uma evolução da própria política das artes, que antes eram exclusivas da elite passando a serem acessíveis as massas. No entanto, isso não significa uma democratização da obra de arte e muito menos uma contribuição para a conscientização das massas, sendo que o público popular não tem a mesma instrução que as elites que cresceram em meio a essa cultura e foram instruídos para entendê-la.

Para a atualidade a obra de arte popular é um tipo de linguagem por meio da qual o homem do povo expressa sua luta pela sobrevivência. Cada objeto é um momento de vida. Ele manifesta o testemunho de algum acontecimento, a denúncia de alguma injustiça. Nesse sentido, o mais importante na arte popular não é o objeto produzido, e sim o próprio artista, o homem do povo, do meio rural ou das periferias das grandes cidades. Por isso é sempre contemporânea.



Simultaneamente, os produtores da chamada cultura erudita fazem parte de uma elite social, econômica, política e cultural e seu conhecimento geralmente é proveniente do pensamento científico, dos livros, das pesquisas e estudos em geral (erudito significa ter instrução vasta e variada adquirida, sobretudo pela leitura). A arte erudita e de vanguarda é produzida visando museus, críticos de arte, propostas revolucionárias ou grandes exposições, público e divulgação.

O mais importante neste campo, como em outros, é não cair no sectarismo. Como afirma Darci Ribeiro, cultura erudita e cultura popular são as duas asas da cultura, que sem vigor em ambas, não voam belamente; fazendo tão ridículo o populesco que só tem ouvidos para seu gosto, como o tolo que só aprecia seu gênero, a exemplo da ópera ou do balé, os reverenciando boquiabertos como formas perfeitas e intocáveis, sem ousadia de criá-los a nosso jeito, e consequentemente vindo a se tornar igualmente babaca.


Ricardo Magno

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