30 de novembro de 2010

Jack Flash: Vingança





A guerra e eu sempre nos demos muito bem. Parecia que fazia sentido. Você pensa que está fazendo o que achava ser certo. Mas não era. Cada um acredita no que quiser, mas no final, um homem tem que decidir se fará o que é certo.

Esta escolha me custou mais do que eu esperava. Fiquei naquela cruz por dias. Quando os índios-corvos me acharam e me soltaram eu estava quase morto. Os curandeiros fizeram o possível para me trazer de volta. Mas por algum motivo, não puderam me trazer completamente. E os corvos pareciam sempre estar comigo. Não me tornaram imortal. Só me deixaram com a maldição de conhecer o outro lado.

Falar com os mortos não é natural. Mas às vezes, eles são os únicos que podem indicar o caminho. Andei por todos os cantos da terra procurando um velho inimigo. Mas aí, aquele bastardo de merda me pregou uma peça e morreu incendiado em um motel.

O homem que acabou com a minha vida agora estava morto. E eu não tinha para onde ir, e um coração cheio de VINGANÇA. Então, naturalmente, me tornei um caçador de recompensas punindo os culpados onde quer que eles aparecessem. Esta é a minha história. 

Eu nasci em um furacão de fogo-cruzado e eu uivei para minha mãe na tempestade torrencial. Mas está tudo bem, agora. Na verdade, isto é muito divertido. Eu sou o vigoroso Jack Flash!

Eu fui criado por uma uma bruxa banguela e barbada. Fui ensinado por meio de surras de açoite nas minhas costas. Mas está tudo bem, agora. Na verdade, isto é muito divertido. Eu sou o vigoroso Jack Flash!

Eu fui afogado, estive acabado e quase morrendo. Eu caí aos meus pés e vi que eles sangravam. Eu desprezei as migalhas de casca de pão e fui coroado com espinhos bem na minha cabeça. Mas está tudo bem, agora. Na verdade, isto é muito divertido. Eu sou o vigoroso Jack Flash!

A cicatriz no meio do rosto símboliza o nome que me deram. Perdi pai, mãe, a mulher e a família para dar valor ao que não quero. De Norte a Sul, Leste a Oeste percorri por todos os caminhos sozinho comendo poeira na cara onde Judas poderia ter perdido as botas. Chegando lá, não encontrei nenhuma forma de vida, nenhum tipo de sentimento que pudesse ser valorizado. O sol fazia caricias na minha pele. Jovem, ela ficou enrugada.

A cada uma que passava se tornava cada vez mais longa as noites de fome, sede, calor, deserto e solidão até eu aprender a fazer amizade com as miragens, e agora, as visões eram minhas unicas companheiras. Passeando por locais em que nada tinham de um oáses, aprendi a compreender muito bem quando um homem mente.

Por dia, eu pestanejava três vezes para espantar o diabo. Já não havia mais sentido em nada, me embebedar seria só um intervalo na enseada. O abrandamente havia sido pulverizado da superficie de meu coração.

Os vilarejos mais pareciam depósitos de bêbados e prostitutas que a mais de uma semana não tomavam banho. Gengivas sangrentas eram apenas um sutil eufemismo para aqueles que tinham nos dentes uma colônia de placas bactérianas.

O sexo era podre, sujo, cheio de suar e areia: imundo! Mas era a única coisa que tinhamos de real. Dos vícios, esse era a melhor opção. Quando acordava, as putas já tinham ido embora e saqueado o resto do dinheiro. E foi assim que aprendi a deixar gorjeta antes mesmo de comer a entrada.

Os amigos? Não se tinha amigos. Eram todos falsos. Os amigos eram as nossas pistolas. Wichester 22, naquele tempo, mais parecia um canhão de pólvoras. A diversão predileta do bando, fora roubar banco e estrupar as filhas moças dos índios, era trapacear com o Marverick nos jogos de carta enquanto o trem passava seguido por uma turma de encapuzados.

Foi somente assim que consegui resistir por mil anos. Aprendendo a fingir valentia para espantar o medo. Nunca durmi mais de duas horas ininterruptas por todo o decorrer de uma noite. Pois sabia que não amanheceria vivo, ou, no mínimo sem as roupas.

Em meio a tudo isso, nenhuma donzela se entregaria para tal tipo de homem, e nenhum tipo de homem assim se apaixonaria por uma donzela. Mas a rapariga que eu amei era a mais linda de todas. Dos três serviços que ela tinha, todos faziam parte de uma espelunca qualquer. E mesmo por detrás de toda aquela robusteza de vida, ela ainda encontrava modos para a fineza de uma grande mulher. A puta que amei nem mesmo eu gosto de comentar.

Jesse James ainda usava fraudas nessa época. Ou melhor, cagava nas calças! Butch Cassidy e Sundance Kid se ludibriavam com a descoberta da bicicleta ao tentarem seduzir à pedaladas a mesma musa amada. E por isso, sem rendição, morreram corajosamente no meio de um tiroteiro contra um pelotão inteiro. Se abraçaram antes da morte. Isso é que eram homens corajosos! Isso é que era amizade! Perto deles, os mocinhos se tornavam vilões. Com este final, o filme foi obrigado a terminar antes da história.

Relendo o tempo, facilmente eu me confundo se Mark Twain já era vivo nessa época. Mas Tom Sawyer e Huckleberry Finn, com certeza o eram. Pois eu falo de um passado onda a roda e o motor à vapor eram as maiores descobertas. E as índias virgens eram honrosamente estrupadas pelos grandes senhores da cidade, cujo xerife, era coloiado para garantir o próximo mandato.

Muito longe daqui, mas não muito diferente, eu farejava a vingança por todo o lado. Sem fazer parte de nenhum bando, sem me comprometer com nenhum lado, todos me odiavam. E durante o dia, uns caçavam aos outros para no transcorrer da noite todos me perseguirem. Eu era o inimigo número um daquele fim de mundo. John Wayne iria me dizer: Rastros de Ódio.

O tiroteio me amava, as armas nunca me acertavam. A mira cega das espingardas eram iguais a cachorros leprosos e semimortos: sentiam o meu cheiro, apontavam o fucinho para onde eu estava, mas não viam nada.

De cedo entreguei minha alma a deus e a sombra fiz questão de negóciar com o diabo. O maldito quis me dar pouco. Sem relutar, aceitei os trocados. Só anseiava perder da consciência a sensação de estar sendo seguido.

Meu animal de estimação é um cavalo sem cela. A cada galope que ele dá, sinto o tremor de quem me persegue. O animal que habita em meu coração se resume a uma perniciosa serpente. A cada batida que o peito faz, sinto o chucalho balançando.

O couro sujo e velho da roupa, a carcaça podre e nojenta onde se encontram bolsões de pulgas. É no estacionamento do bar que meu cavalo enche a cara. Em toda sua dureza de pele e óssos, agora eu sei porque é que o cacto é a flor símbolo do deserto. É que diferente dos homens, ela chora por dentro.


Ricardo Magno  

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