Publicamente, a convivência era ruim, mas na intimidade era um circo. Existiam vidas em comum, freqüentavam-se os mesmos restaurantes para bater papo. O Cave, na Rua Eduardo Prado, em São Paulo, por exemplo: todos apareciam às 3 da manhã para comer picadinho. E escutava-se um rockinho para dançar! Esse fosso musical foi alimentado por jornalistas e ideólogos rançosos, era uma guerra criada artificialmente. Os festivais, claro, se beneficiavam do problema. A Record tinha os programas Jovem Guarda e o Fino da Bossa, que preferia colocar como concorrentes, porque imaginava que assim teria maior repercussão. Ambos tinham audiência, mas as pessoas assistiam porque o barato da época era a música.
É claro que aconteciam atritos. Numa noite, Geraldo Vandré discutiu com Caetano e Gal, afirmando que “Baby” era uma merda e que eles tinham de apoiar a canção dele no festival, porque ela sim faria a revolução. Houve também a famosa passeata contra a guitarra elétrica, em 1967, insuflada pela Record. É gozado porque na linha de frente estavam Elis Regina e Gilberto Gil de braços dados. E ele já estava preparando “Domingo no Parque”...
Era impressionante! O Gil ouvia Sgt. Pepper o dia inteiro. Só depois se percebeu o que ele estava tentando captar. Quando aconteceu a tropicália, ele e o Caetano já tinham o aval do público. Isso tudo acontecia em São Paulo. No Rio de Janeiro, “Travessia” era o grande sucesso. Não havia uma definição clara entre o que o público e os artistas queriam, daí esse abismo.
O pior mesmo aconteceu nas gravadoras. Havia o elenco “comercial” e o “artístico”. O primeiro grupo bancava os discos do segundo. Viravam a cara para a jovem guarda e era ela que financiava todo mundo! Os Golden Boys e o Trio Ternura fizeram backing para vários artistas, mas ninguém queria parceria com eles porque eram do iê-iê-iê; o César Camargo Mariano tocava no Som Três acompanhando o Wilson Simonal, que era desprezado por fazer pilantragem...
As barreiras se romperam com o tropicalismo, foi algo libertador. Em 1968, todos eram tropicalistas - até a Beth Carvalho apareceu tocando theremin! Não se tira o mérito de Gil e Caetano, mas tudo aconteceu porque o Rogério Duprat indicou Mutantes e Beat Boys para acompanhá-los. E não podemos esquecer que o Ronnie Von já tinha dois discos rigorosamente psicodélicos que são um primor. São seminais, foram seus Sgt. Pepper. O problema no Brasil é o excesso de ego. Todos querem ser os grandes descobridores e não “liberam” as referências. Isso deforma a nossa história.
Fonte: Revista Super Interessante espcial história do rock
0 Comentários:
Postar um comentário