10 de agosto de 2010

O Último Bandeirante


Não existia quem não se admirasse do que estava sendo realizado no Planalto e as monumentais construções, levada a efeito num ritmo até então desconhecido no país, eram acompanhadas, com entusiasmos, pela nação inteira. Contudo, são desconcertantes os desígnios da providência. Em face de tão encorajados acontecimentos, que assinalavam o êxito da administração, eis que, logo no inicio de 1959, um fato trágico enluta a nação. Data da tragédia: 15 de janeiro.
Haviam duas frente de trabalho: a do norte, comandada por Rui de Almeida e a do sul, comandada por ele, o Bernardo Sayão. Uma avançava de encontro com a outra para realizar a tão sonhada ligação com data marcada para 31 de janeiro de 1959. Trinta quilômetros apenas separavam as duas frentes.
Uma semana antes Sayão enviara um bilhete ao acampamento de Açailândia, dizendo: “Se não mandarem mantimentos, estamos com os dias contados”. Um avião Cessna sobrevoara a frente de trabalho, e dele caíram os pára-quedas com os mantimentos pedidos. “Estamos com os dias contados” – era assim que se jogava a vida na Belém-Brasília. Bastava que uma remessa atrasasse, para que os trabalhadores ficassem ameaçados de morte.
Ameaçado de morrer de fome, Bernardo Sayão pensava, com determinação, na construção do campo de pouso. Era o objetivo imediato, porque o presidente da República deveria ali descer no dia 31 de janeiro. Sayão estivera acampado no Estreito. Era comum já estar dormindo às 8 horas da noite. Naquele dia, porém – véspera em que ocorreria sua morte – já eram onze e meia, e ele ainda estava acordado. O prazo era, de fato, curto e daí o nervosismo. No dia seguinte seguiu para o local da ligação, onde estava em curso intenso desmatamento. Era ensurdecedor o barulho das árvores caindo. A barraca do acampamento estava à beira de um córrego, não muito perto do serviço.
Enquanto as árvores eram derrubadas, ele, Gilberto Salgueiro e Jorge Dias discutiam debaixo da barraca. Gilberto saiu, por um momento, para conferir uma informação. Nesse momento, ouviu-se um estrondo. “A árvore! A árvore!” – gritavam os trabalhadores. Jorge Dias ficara machucado no braço. A barraca fora amassada pelo peso do enorme galho desprendido. E Sayão? Ninguém viu o chefe, o comandante.
De súbito, sua figura hercúlea destacara-se entre a galharia deitada. Estava de pé, mas mortalmente ferido: uma enorme fratura exposta na perna esquerda; e o braço do mesmo lado esmigalhado. Tinha, também, o crânio fraturado. Mas continuava de pé, esvaindo-se em sangue. No local não existia médico nem qualquer tipo de socorro. Que fazer? Sayão caminhou até o tronco derrubado e, sentando-se nele, pediu que lhe descalçassem a bota do pé esquerdo. Quando conseguiram tirar lhe a bota, ele dava a impressão de que iria ter um colapso. Pediu, então, que o deitassem. Sua camisa estava empapada de sangue. Estendido na rede, deixou-se ficar quieto, os olhos semicerrados, respirando profundamente. Havia entrado em coma.
Os trabalhadores entreolharam-se, sem saber o que fazer. Às 3 horas da tarde, porém, ouviu-se o ruído do motor de um avião. Sobrevoou o local, atirando víveres. Eram os víveres que ele havia reclamado, através do seu último bilhete. Os que se encontravam em terra gritaram, tentando fazer com que o piloto compreendesse o que havia ocorrido. Por fim, alguém teve a idéia de cruzar dois paus e cobri-los com as camisas dos trabalhadores: o piloto achou estranho e reduziu a altura para observar. Viu então, um homem deitado, com a roupa vermelha de sangue. Em seguida, o avião partiu, sem que os que se encontravam em terra pudessem saber se o piloto havia compreendido aquele sinal. Mais tarde, veio um helicóptero. Com grande sacrifício, puseram Sayão no interior do aparelho e um dos auxiliares – Kelê – foi junto. Seguiram, então, para o povoado mais próximo – Açailândia. Eram 7 horas da noite. Lá em baixo, a floresta se fechara, como um só imenso lençol preto. Pouco depois, o gigante não resistiu aos ferimentos. Expirou sem um gemido. Apenas respirou mais fundo... E ficara quieto.

Biografia

Com a energia, o coleguismo, entusiasmo e a capacidade realizadora enfeixada em 1,84 m de altura e tórax de largura respeitável, Sayão mais parecia uma estátua de deus da mitologia grega, que teso como um guarda de gurita, era incapaz de se curvar a um subalterno nem si quer para ser realizado um curativo.
Bernardo Sayão Carvalho de Araújo nasceu no bairro da Tijuca, no Rio de Janeiro, em 18 de junho de 1901. Em 1929, formou-se em Agronomia pela escola Superior de Agronomia e Medicina Veterinária de Minas Gerais.
Casou-se duas vezes. Primeiro com Lygia Pimentel, em 1925, com a qual teve duas filhas. Lygia morreu em 1935, e Sayão passou cinco anos viúvo até conhecer, em Niterói, Hilda Fontenelle Cabral. Com ela, ele teve mais quatro filhos.
Dentre os feitos, contribuiu intensamente com o plano de “Marcha para o Oeste”, e foi vice-governador de Goiás obtendo mais votos que o governador. O nome “Bernardo Sayão” faz mais jus a um grande homem do que apenas ao trecho de uma estrada da Belém-Brasília. E a partir de agora, é bom que todos saibam disso, e da nossa própria história.

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