16 de agosto de 2010

A sociedade midiatizada por uma outra comunicação


Não é possível habitar no mundo sem nenhum tipo de ancoragem territorial, de inserção no local, já que é no lugar, no território, que se desenrola a corporeidade da vida cotidiana e a temporalidade – a história – da ação coletiva, base da heterogeneidade humana e da reciprocidade, características fundamentais da comunicação humana, pois, mesmo atravessado pelas redes do global, o lugar segue feito do tecido das proximidades e das solidariedades. Pois o sentido do local não é unívoco.
A mundialização cultural não opera a partir de fora sobre esferas dotadas de autonomia, como seriam o nacional e o local. O processo de mundialização é um fenômeno social total que para existir deve localizar-se, enraizar-se nas práticas cotidianas dos homens. Não se pode, portanto, confundir mundialização com padronização dos diferentes âmbitos da vida, que foi o que a revolução industrial produziu.
O que está em jogo é uma profunda mudança no sentido da diversidade. O processo de globalização que vivemos, no entanto, é ao mesmo tempo um movimento de potencialização da diferença e de exposição constante de cada cultura às outras, de minha identidade àquela outra. Isso implica um permanente exercício de reconhecimento daquilo que constitui a diferença dos outros como enriquecimento potencial da nossa cultura, e uma exigência de respeito àquilo que, no outro, em sua diferença, há de intransferível, não transigível e inclusive incomunicável.
Distintos modos de ser passam a concentrar-se e a conviver no mesmo lugar, convertidos em síntese do mundo. O que os processos e práticas da comunicação põem em jogo não são unicamente os deslocamentos do capital e as inovações tecnológicas, mas sim profundas transformações na cultura cotidiana das maiorias: nos modos de se estar junto e tecer laços sociais, nas identidades que plasmam tais mudanças e nos discursos que socialmente os expressam e legitimam.
A comunicação é percebida como o cenário cotidiano do reconhecimento social da constituição e expressão dos imaginários a partir dos quais as pessoas representam aquilo que temem ou que têm direito de esperar, seus medos e suas esperanças. O que significa que nele não se reproduz apenas à ideologia, mas recriam-se as narrativas nas quais se entrelaçam o imaginário mercantil com a memória coletiva.
Os novos saberes remetem a novas figuras de razão que interpelam desde a tecnicidade ao processo da informação e a sua matéria-prima de abstrações e símbolos. Ao trabalhar interativamente com sons, imagens e textos escritos, o hipertexto hibridiza a densidade simbólica com a abstração numérica, fazendo com que se reencontrem duas, até agora “opostas”, partes do cérebro.
Até pouco tempo, falar de identidade era falar de raízes, isto é, de costumes e território, de tempo longo e de memória simbolicamente densa. Disso e somente disso estava feita a identidade. Mas falar de identidade implica falar de migrações e mobilidades, de redes e de fluxos, de instantaneidade e fluidez através da esplendida imagem das moving roots, raízes móveis, ou melhor, raízes em movimento.
Na questão de memória e reconhecimento, a identidade não é, pois, o que é atribuído a alguém pelo fato de estar aglutinado num grupo mas, sim, a expressão daquilo que dá sentido e valor à vida do indivíduo. Pois essa hegemonia imagética se acha associada ao fato de que hoje o “reconhecimento recíproco” desenvolve-se especialmente no direito a ser visto e ouvido, que equivale ao de existir e contar socialmente tanto no terreno individual quanto coletivo das maiorias quanto das minorias.
De um lado, as mídias de massa se transformam em “máquinas de produzir o presente”, dedicadas a fabricar o esquecimento em conjunto com o mercado, ao planificar a acelerada obsolescência dos objetos como condição de funcionamento do próprio sistema de produção. Ainda que moldados pelo mercado, esse modelo existe e deve ser levado a sério como sintoma de um profundo mal-estar cultural, em que se expressa a ansiosa indigência, que sentimos, de tempos mais longos e da materialidade de nossos corpos reclamando menos espaço e mais lugar.

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