7 de dezembro de 2010

O Vadio Bon Vivant: Histórias de Garrafas





É nas cordas de um berimbau que se faz o compasso. Os tambores de crioulas oriundos das escadarias da cidade velha, ditam as regras. Com o sol quase raiando, a lua se entristece. Essa é a música, canção da esbórnia! Veneno de bêbado e doido a ressuscitar o coração de defunto. Pois o verdadeiro bebum é aquele que nunca se sacia com água.

A ênfase em líquidos muito puros sempre deixou Don Birnam irritado. A dar pela máquina de escrever em todos os bares que passava, eram reconhecidos os irmãos Birnam como o enfermeiro e o outro, o inválido. Cantava uma chuva forte acompanhada de relâmpagos e trovões no dia do Yom Kippur. Mas ele estava bem. Pela segunda vez seus verdadeiros amigos lhe acompanhavam. Não aqueles que o destino se encarrega. Mas, sim estes das válvulas de escape. Os vagabundos, ladrões, maconheiros e estelionatários!

O que faz a bebida com Don Birnam? Ela estraga os fígados e os rins. Mas com a mente, ela solta os sacos de areia para que o balão possa voar mais alto, e de repente, se encontrar confiante, altivamente seguro de si, até mesmo acima do normal a andar por uma corda sobre as cataratas do Niagra ou mesmo um Michelangelo a esculpir a barba de Moisés, como Van Gogh o faria ao pintar a própria luz solar.

Agora, por entre o doce e inebriante momento de exaltação psicológica, em que a alma, intuindo a proximidade de algum acontecimento promissor, regozija-se ao desfrutá-la por antecipado, Don se sentia um dos grandes! Pois um alcoólatra, de verdade! Sempre quer ficar a sós com a sua garrafa.

“A bebida à noite é apenas um aperitivo. De manhã é um remédio.”

Com o pouco que ganhava ainda conseguia dever a deus e o mundo. Com a merreca que recebia, ainda fazia a proeza de encher a cara todo final de semana. É o milagre da multiplicação do álcool! No entanto, aqui estava ele, no fundo do poço, morto de bêbado, atolado em merda até o pescoço, mas sem nenhum pingo de vontade de beber um copo de água.

Essa loucura toda começou há pouco mais de um mês, quando os mortos ressuscitaram dentro dele. Já fazia um tempinho que ele sentia umas pinicadas esquisitas, e chegou a pensar consigo mesmo: “Estou ferrado!” Só poderia ser a saúde mandando a conta das farras de cachaça desregrada, das noites na orgia. Pois ele tinha um pouco mais de 25 anos e ainda dava muito no couro, pois não tinha partido.

Como em todos os anos, os seus camaradas de bar e vadiagem gastaram o que tinham e o que não tinham para fazer uma surpresa. Mas quando chegou a hora que Birnam pensou que não teria mais jeito, bateu uma melancolia desgraçada e ele se perguntou: “Por que eu? Por que logo agora? O céu deve ser chato pra cacete! O inferno, se tivesse mulher e bebida, não tinha a fama que tem.”

Desde quando caiu na malandragem nunca mais olhou as horas. Freqüentava lugares em meio a safados, trambiqueiros, drogados e alcoólatras de calçadas. E mesmo quem acredita que não acredita em nada, há de admitir que a vida manda os seus sinais. Basta ficar de olhos abertos e ser maluco o suficiente para entender.

“Primeiro a obrigação! Depois a putaria.”

Muitas gandaias em ruas desertas, madrugadas a fora. Cada qual que cuide do seu enterro. O impossível não há. Quando não se sabe para onde vai, logo há de se chegar lá. Pois a vida, observada por esse viés, é boa demais para ser desperdiçadas em apenas uma noite de farra. Mas, por todas as noites seria válido. Beber uma ou até mesmo duas vezes por semana, diriam os rotos: “Até que vai.” Mas beber todos os dias, diriam outros: “É bom demaaais!” Os seus melhores amigos foi ele mesmo quem se encarregou de fazer quando lhe disseram os demais: “Estes? Vieram da escória!” Os engomadinhos, deus o obrigou a aturar. Saco! Um rei torto diante da sua corte de miseráveis.

Nesta vida dissimulada por um sadio desejo de improbidade no exercício da profissão junto do nobre anseio de cultivar de algum modo o seu espírito, eram propósitos tão louváveis para a mente de um cachaceiro à reunir tantas condições excepcionais, que, com certeza seria muito difícil de se encontrar em um outro homem de nossos tempos.

Para Don, não sendo o fato de estar vivo, não haveria outra vantagem alguma além desta, que é viver. Pois, quando viver não valesse mais a pena, a vida só terá sentido em uma simples, medíocre e mortal efemeridade. E o que mais poderia ser dito depois de já ter sido escrito tanta coisa? Mas este é o melhor das palavras. Ela gasta o homem, mas não se desgasta.

Após dois copos cheios até a borda de cachaça misturada, lhe inspiravam suas inclinações, embora um tanto superficiais, a dar-lhe a certeza de como era forte o receio dos homens quando se tratava das virtudes do ser oposto do belo sexo. Mas antes de encontrar um ideal que o satisfaça, ainda há de cair muitas folhas de calendário.

Sem moralizar demais da conta, na rebelião oculta, assim Birnam pensava e se orientava, por um caminho que ele via como obrigatória para a juventude, o de seguir afundo a procurar as expansões que atendam as suas necessidades. E com entusiasmo ele afirmava: “Para que estão ai os cabarés e as boates, senão para a expansão dos jovens? E é justamente a falta de experiência que impede que a gente se previna contra eles.” Mas é claro que o homem sai ileso das tantas aventuras desse tipo que aparecem para ele. Do contrário, não as mulheres.

Sem jeito, ele acabou dando um jeito no produto de uma fantasia deixada a mercê do capricho humano, depois de levar anos em uma existência demente e honesta. Pois, quem tem amor não precisa de deus. E cada um que o interprete como lhe melhor convier. É que, a um foi apenas destinado escrever as palavras, relatar os fatos; sendo que, aos outros, definirem os seus significados.

Ao pensar no futuro incerto de sua vida, da qual ele nada esperava, e com medo de que seus melhores anos se passassem sem outras perspectivas além de contemplar as mesmas caras e escutar as mesmas coisas, resolveu mudar os seus costumes. Cedendo aos ardores do sangue, intensificou as freqüências em botecos e resenhas, e assim foi como ele reapareceu um dia, inexplicavelmente alterado.

Agora, um celulóide humano no qual ele parecia estar vestido, eram estas eternas Messalinas pretendendo convencê-lo de que a única coisa que vale na vida é o prazer, a diversão e a embriaguez. O que é bem verdade!

Esse, tão considerado desalinho psicológico em quantos seres subsiste para revestir-lhes de suas escamas e anêmicas idéias, não tendo outra roupa que não seja aquela com o ponto monótono e indefinido da mediocridade. Isso, além de outras coisas de pouquíssimo valor, naturalmente.

Dentro de um tema para a letra de um tango, o “Inválido” questionou: “Qual das duas partes é mais numerosa do que a outra nesse quesito da má qualidade?” Mas o certo é que, na vida, gostando ou não, as pessoas devem suportar as leviandades de parte a parte com os seus amigos inseparáveis.

Através de um bom enfoque daqueles ambientes oriundos dos caminhos incertos da perdição, o juízo parecia ter amadurecido na consciência inebriante de um homem insano, que em singulares conhecimentos o chegam a impressionar vivamente, a ponto de, dali em diante Birnam considerar qualquer mera amizade como um precioso achado. E, em decorrência disso, publicar muitas obras. Assim a vida sempre deve ser vivida. Do jeito que cada um entende.

Se é mesmo a mulher quem guia o homem no caminho que ele, irrevogavelmente, a segue, tudo o que ainda se tem que fazer é porque não será feito. Do contrário, já o teria... E é justamente desta forma que Don Birnam quer partir: em mais um final de semana perdido a dançar no meio da putaria. Enquanto isso, na Selva de Pedra, fica imaginando quantos há como ele: pobres amaldiçoados queimando de sede, figuras cômicas para o resto do mundo enquanto rastejam cegamente para outro copo, outra noite, outra farra.




Ricardo Magno




0 Comentários: