30 de março de 2011

Heitor Monte Cristo e o giro no cíngulo








Os velhos pensamentos. Sei muito bem até onde eles me levam. Mas escute! Não é tão fácil assim entender as diretrizes de uma Conspiração Aquariana. Você se perde por entre toda a fé, filosofia e religião que existe dentro de si para somente no final conseguir entender que sempre esteve onde deveria estar:

Em um quarto abafado em uma noite quente de verão cujo o ar-condicionado serve de adorno para não inflacionar o preço da conta de luz, o vento sorrateiramente transpassa pelas janelas num bater de asas. E o zumbido que esse fenômeno faz soa aos ouvidos como se fosse uma linda canção de jazz. Impressão roubada quando tudo está certo e ao mesmo tempo errado a se ver do outro lado o paraíso.

A milhas de distância de casa, nos aposentos da espelunca de um hotel qualquer, o pisca-pisca vermelho do outro lado da rua em um espalhafatoso néon singular deixa bem claro para todos os passantes que aquele estabelecimento, recinto de balbúrdia e ambiente propício para o descanso dos bêbados, definitivamente se trata de um cabaré. Da sacada de uma temporária casa de aluguel, observo os adúlteros e meretrizes com suas vidas infelizes fazendo feições de alegria interpretadas por trejeitos de satisfação quando na verdade uns olham aos outros e todos sabem que poucos dali realmente desejariam ali estar.

Neste local sagrado de baderna e orgia se não fossem os fracassos e derrotas do dia a dia, as fraquezas e destroços do cotidiano, poucos homens ao entardecer da vida escorregariam para lá: Ninguém é feliz de verdade não amando a própria desgraça. E o que esses moribundos fazem é apenas cavar mais um punhado de suas covas com os dentes por entre a carne. Todo dia nasce e morre um novo exemplar deles mesmos enterrados nesse corpo que nada mais é do que um imenso e triste cemitério de esperança.

Aqui estou eu e o meu terno de giz, sapado de gângster, colete de escritor dos anos trintas. Na mão direita um copo gordo, fundo e robusto cheia até a boca do conhaque mais vagabundo e barato desta maldita cidade. Na esquerda se encontra o meu querido e fedorento amado e marginalizado amigo cigarro. Do alto, porém, nem tanto acima da condição dessas pobres almas, vejo o círculo ganancioso deste labirinto de ratos.

Passa da madrugada. Todas as luzes desligadas. No corredor há pouco se podia ouvir algumas pisadas, já não se escuta mais nada. Quando cheguei do mais distante lugar que antes eu imaginava poder alcançar, a primeira coisa que fiz foi tirar as roupas imundas cheias de tártaros, pois queria me livrar de qualquer vínculo com a viagem, com o estofamento do ônibus e aqueles viajantes ordinários. Queria deixar pra trás tudo o que pudesse recordar a última parada. Portanto, me mantive mais de uma hora na banheira toda rachada dessa espelunca em forma de céu sem estrelas. Ao preencher a ficha de hospedagem, flertei sutilmente com a recepcionista loira com ar de ingênua moça do interior só pra ver se ela me dava bola. No fundo não queria nada com ninguém. Esse é um passatempo que me distrai quando estou bastante entediado.

Mas voltando ao banho, não esqueci de ir para dentro da água com meus companheiros inseparáveis. O conhaque barato e o cigarro envenenado, um de cada lado. Mergulhei por horas naquela espuma alérgica de um sabão em pó vagabundo. Sai de lá embriagado com um som de blues ao fundo da alma. Sinos tocavam no horizonte... A luz vermelha hipnotizava.

Me arrumei e pus a melhor roupa como se estivesse me preparando para o meu próprio casamento. Mas antes disso fiz a barba, fiquei me olhando no espelho por ininterruptas horas, pois sabia que na verdade ninguém me esperava. De longe pensei em interfonar a recepcionista pra pedir comida. Mas não! Logo voltei à lucidez, lembrei quem sou e vi que aquele ato em nada combinava. Então achei melhor converter todos os meus centavos em uma coisa mais agradável que tivesse a ver, no mínimo, em quarenta e quatro por cento de álcool. Sozinho o efeito pegava mais rápido.

A vida às vezes parece uma esteira ergométrica nos fazendo correr o tempo todo no mesmo lugar. Quem não percebe morre assim. Então me reclinei no parapeito da sacada. Ébrio, deixei cai um cigarro aceso por entre os dedos longos. Ninguém passava lá embaixo. O tempo durou uma eternidade... Um momento pífio para a posteridade.

Eram cinco da tarde, havia garrafas de conhaque contrabandeado por todo lado. Meu quarto mais parecia um estábulo, eu de pau duro, sem falsa modéstia, um cavalo. Talvez nada deveria ser dito com sinceridade, pois isto aqui é um jogo e ele se estende por todas as partes... Agora me vinha uma puta ressaca. Não se pode confiar em ninguém. Os melhores amigos se tornam os piores; os maiores amores, as grandes derrotas... Ao longe dos tímpanos um saxofone com o som dos gritos desafinados de um pato maltratava os meus ouvidos irritados.

Não adiantou fechar as cortinas, prender lençóis por sobre as janelas. Eu queria fugir e mesmo assim os raios de luz me encontravam. O céu estava vermelho-fogo. Só faltava aparecer por entre as nuvens à prostituta com dores de parto chorado no colo de um dragão. Ainda de convalescença - resquícios do dia anterior -, eu fumava um cigarro atrás do outro, nervoso e trêmulo, desejando o mais rápido que fosse acabar com a carteira na ânsia de que algo a qualquer momento atrapalhasse. No fundo era ela quem me acabava. Se chovesse hoje choveria sangue.

Nunca mais 84 quilos! O passar dos anos faz com que fiquemos perfeccionistas. Agora durmo com as janelas abertas. Quem sabe ela mude de idéia. É este um dos efeitos provocados em mim. Uma vítima a cada disparo. Com o tambor de minha pistola eu seria capaz de dizimar um exército. Eu sinto estar muito longe, mas só são cerca de três horas de viagem.

Ceguei meus olhos, queimei as córneas, e mesmo assim nada mais poderia me impedir de ter visto as cachoeiras, arco-íris e o pote de ouro acompanhado de uma linda mulher! Não sei ao certo se era anjo ou demônio, mas estou convicto de que irei pagar pra ver. Se não der certo, fazer o quê? Deixa fiado! Juro que um dia eu volto e pago.

Com inclinação para a sabedoria, aos dezoito anos eu já tinha aprendido muito mais do que um senhor com sessenta de idade. Pessoas assim sugam ao máximo qualquer forma de experiência vivenciada por elas e pelos outros a sua volta. O tempo, as conjecturas astrais, as intempéries e mudanças de humor. Passamos anos e anos debruçados sobre as nossas próprias emoções e os sentimentos alheios: o jogo do acaso e seus infortúnios oriundos da natureza humana. No final, estamos aptos para viver e desenvolver na pratica um tratado humano próprio ao contrário dos tolos que não têm controle e sapiência de nada. Para estes seres de elevação espiritual, a simples luz do luar e o efeito que ela provoca por detrás da fumaça de alcatrão já lhes dizem muita coisa. Por exemplo, para onde o vento sopra.

Era ao sul do Maranhão e, ironicamente, o DDD (98) aparecia no display do meu celular. Eu não vim aqui fugido da polícia, mas eu sei que eles me grampearam. E por que mesmo um deles me daria a chance de ganhar dez mil reais por mês podendo acumular essa pequena bagatela? Agora vejo que ninguém assim é tão parceiro de verdade.

Ainda desnorteado pelo álcool, horas depois de levantar, um deles vem ao meu encontro. De terno todo engomado, distintivo à mostra, relógio e calçados mais de quinze mil reais; olha para mim e o ambiente em volta, fica alguns segundos analisando a simbiose para no instante seguinte me prestar uma falsa solidariedade como se eu já não me familiarizasse com todas essas manobras militares. Eu finjo cair na armadilha e faço um coro de louvor a essa “bem aventurada” amizade mesmo sem ouvir absolutamente nenhuma estúpida palavra. No fundo sei que ele só veio para saber se tudo ainda está sobre controle e se eu continuo cavando o fosso no qual todos crêem que eu serei enterrado. Só que o que eles não vêem é que há muito eu já entendi as regras, já saltei sobre os seus pescoços e agora faço eles acreditarem em tudo o que eu não quero revelar. Então coloco o despertador para tocar no dia seguinte uma hora mais cedo esperando a visita do pistoleiro com minha arma cromada engatilhada e bem lustrada à noite toda. Esperei todo mundo ficar de porre e fiz essa merda enquanto outros morriam de inveja só porque eu não sentia nada. Otários! Não há construção sem destruição. A barrocada era o inicio da obra e não o triste fim do arquiteto.

Nesta enorme graça mesmo sem palhaço, eu seguia completamente displicente no mundo dos desejos. Sem posses, as coisas que mais quero nas mãos dos outros não me fazem a menor falta. E este é um truque para não morrer pela barriga. Se virem para conseguir me prender pelo saco e cortar meu cabelo! Lutem para desenvolver um plano bem sucedido o suficiente para me pegar desprevenido e me apunhalar pelas costas. Os óculos emitem reflexos.

De posse desta sala de jantar onde só há pratos sujos sobre a mesa e restos frios do banquete de outro dia, o abatimento moral causa calafrios nas entranhas. Descalço, sinto por entre cada camada de pele cascuda dos meus pés o chão gelado me dizer alguma coisa. Ando devagar de um lado ao outro como um animal feroz enjaulado buscando uma maneira de encontrar a liberdade. Enquanto isso, vou driblando baganas apagadas que trazem recordações de outros tempos. Não consigo ficar em pé por muitas horas. O terno, até outrora bem alinhado, agora traz na manga, na gola e por quase toda a parte sobras de comidas que eram pra estar no meu estômago. Sento muito mal acomodado num grande sofá com cobertura de couro avermelhado que aparentar ter sido no passado um belíssimo móvel. Estendo a mão esquerda ao máximo que posso e agarro com a última força mais uma unidade de trago. Após acender, nem meu pescoço consegue ficar reto. Me debruço ao usar como apoio ambos os cotovelos sobre os joelhos, o que me faz começar a pensar tolices do tipo: "Em quantos solos já pisei e nunca mais nasceram flores". Não sou uma pessoa má, não uso a artimanha de se aproveitar das fraquezas dos outros a não ser para demonstrar um jeito fácil de obter melhoras. Material ou não, já me acostumei a ver tudo o que desejo um dia pertencer a mim. Tiro proveito dos meus “defeitos” e por isso venho cada vez mais me tornando vigoroso. O fracasso ou o sucesso depende da leitura que fazemos diariamente de nós mesmos. Mas se não fores predestinado os teus demônios vem e ti devoram.

Com a força que ocasiono para frente, o acolchoado desliza e meu corpo se parti no espaço sem eu fazer a menor reação enquanto percebo a minha cara cada vez mais próxima do chão. Se doeu, não senti nada a não ser a sensação de interpretar a mortalidade como um dos maiores castigos. E os perdidos por entre ela como seres apáticos que arrotam e peidam todos os dias os próprios dejetos que eles são. Exemplares imperfeitos de vida a se esconder na multidão, quando o retorno para a santidade se tornou o maior dos fardos. Um general expulso dos acontecimentos históricos soluçando no meu colo somente porque agora chove e molha quando o sol queima. Nada de grandes planos ou alguém que se espelhe, desconhecendo o próprio torço sem tonalidade e de carnes moles.

Ao sair do quarto escuro em direção a viela e fechar a porta com duas voltas na chave, farejadores estão por toda parte. Num feixe de luz por entre a fresta, a madeira velha solta flepas em um dos meus dedos polegares. Sigo em frente atrás da onda de calor deixada pela vaidade. Nenhum sopro escapa. Vos observo se dissipando em conversas fiadas enquanto puxo uma prosa com a dona da próxima casa.

No centro do sonho persa até o vento maltrata as flores. E em meio a um redemoinho de inconsciência lembrar do passado é pensar como é bom ficar cada dia mais velho. Na terra dos coelhos abundantes, Leão e Castela não negavam um elogio a mais ninguém. Preferem metralhar a se tornarem alvos. Amigo que é amigo repudia inexoravelmente todos aqueles que não aprenderam a controlar a vaidade. Pois do outro lado do muro percebe-se o corpo de Aquiles esquartejado. O ego é uma boneca inflável. Ele é um Sex Shop inteiro! Então, ao ser cortejado, me desvio dos elogios como se eles fossem mísseis teleguiados. Já que as duas coisas não cabem, prefiro ser temido a amado.

Ao amanhecer o dia um novo adultério em colisão com a Terra. Ela passa por mim desapercebida pela calçada e mexe os cabelos loiros em minha direção enquanto eu viro para o outro lado sem necessitar ser adulado. Mas meu ego em estado constante de defesa mesmo querendo chamar a atenção grita bem alto para si mesmo: Isolação! Eu não carrego um espírito tão pobre. No preciosismo da alma dos seres invisíveis que compartilham comigo aquela ruela, muitos necessitam ser notados. Quanto a isso, nada me basta! Tanto faz amanhecer deprimido ou alguém me fazer raiva enquanto o sangue qualha.

De prontidão esperando o sinal abrir na primeira esquina que me aparece, observo de longe a agradável discussão no bar, vítima e vingador! Um nobre de toga nascido em uma ilha perdida num romance para além de toda lei divina ou humana e um marinheiro que acha ter o mar e a crosta dos navios náufragos como única herança estão prestes a se engalfinhar por motivos, creio eu ao longe, serem tolos o bastante para o barulho do trânsito me deixar escutar e os gritos histéricos das raparigas do lugar me permitirem entender. Em meio a tantas pessoas inconfessáveis, um príncipe plebeu e o bom basco, Bonaparte seria um bom confidente.

A contabilizar essa equação incalculável, não havia tempo para se perder com discussões vazias, de dupla verdade. Quem realmente deseja dá logo um soco na boca sem dizer nada. E é assim também que se deve ter zelo pelas amizades, um aperto de mão ou abraço. Mas quando um tiver que ir embora, então que o diabo o carregue! Faço das palavras minhas entranhas: Hoje o seu amor. Amanhã, universo...  Não demora muito, o sinal abre.

Ao continuar caminhando já não aparento mais ser um homem vistoso como o que há pouco chegara neste lixão de pulga que os habitantes chamam de cidade. Na praça, tarde da noite, uns optam por apenas ficarem sentados. Eu, o que segura os raios de sol com os dentes e já pagou a sua penitência, vê tudo aquilo e não suporta mais esse disfarce. No entanto, as circunstâncias me mantêm incapaz de realizar coisas belas quando não sinto a presença divina por entre as frases.

A jogar sobras aos pombos, estranhos casais de namorados ilustram este ambiente como se fosse um jogo dos sete erros. Ao cruzar por eles, percebo nitidamente todas as mentiras dele estampada na cara de felicidade dela. E isto me faz lembrar que não a nada mais lindo no mundo do que uma mulher apaixonada. Nada é mais verdadeiro do que um involuntário sorriso roubado. Se tiver que terminar não devemos nós intervir nos veredictos da sentença do acaso. Desta vez não serei eu o inocente culpado.

Homens gordos, militantes decadentes de uma velha guarda moram nos banheiros públicos imundos dos coretos como se fossem suas próprias casas. Até hoje são capazes de mentir diante do espelho. Encaram bem dentro dos olhos e dizem que fizeram muito bem feito a sua contribuição para a humanidade. Estas traças oriundas de uma maldita permutação da analise combinatória de milhões de espermatozóides, morrem se matando numa rotina entediante do interiorzinho da privada chegando ao trabalho quase 11 horas só porque passaram a madrugada jogando cartas com os vagabundos de consciência limpa da terceira idade e mal conseguem ficar de pé com os seus mais de 150 quilos em uma carapaça de 1,60 de pura ociosidade. O que mais dá raiva é que após merecidamente falecerem, eles ainda serão capazes de estampar um longo sorriso tranqüilizador por toda a eternidade ludibriando a si mesmo ao afirmarem que tudo sempre esteve sobre controle e que eles poderiam ter sido o que quisessem. Filhos de putas! Péssimos tios. Não aprenderam equações randômicas. Desprezam o jogo de probabilidades e o pluridimensionalismo das decisões embasadas. É que quando um homem está preparado e tem que fazer algo não é preciso uma segunda oportunidade. Quem é assim, mil vezes seria igual, e se enganar é a maior prova.

Babões andam em busca de acompanhantes para lhes servirem de guarda-costas. Com apenas uma flecha é dá-lhes o ego em uma bandeja e tão logo ver ele ser despedaçado como se fosse uma maçã no meio da testa. Este é o fato que me faz lembrar o quanto sou egoísta para compartilhar o melhor de mim com os outros. Do contrário, como mesmo seria possível massagear uma auto-estima 54 milhões de vezes maior do que o diâmetro da Terra? Ao oposto de Zaratustra é o astro-rei quem me contempla enquanto dentro do sexto continente agora o flâuner passeia solitário pela internet.


De veias abertas na estema estesia do bobo da corte contra 32 peças, todas as noites as senhoras que vivem nas casas diante do chafariz principal deste parque fecham os olhos e finge não existir nada. É assim que elas tentam fazer os dias seguintes nos asilos da mente humana se tornarem suportáveis. Não gostam de falar. Ridicularizam os tagarelas como pessoas insignificantes que não encontram nada de interessante para fazer dentro de si apelidando-os de “tartarugas sem cascos”.

No decorrer do translado deste passeio inesperado, torna-se a mim completamente detestável o fato de ser notado. Pouco a pouco as paráfrases estão indo embora numa neve de verão inestimável. Em uma pequena overdose de tragadas de cigarro, chego até o fundo da rua. Lá, o oceano me lembra o que eu era em uma forma de existencialismo cansativo de fazer todos brincarem com o barro neste mecanismo de auto-sabotagem covarde.

Contrapondo o desejo sem freio de sobrepor a linha da mediocridade, acabo não resistindo a mais uma festa no final de semana. Mas o que quero é ser abduzido da multidão e retornar para a torre de marfim, o balaustre de mistérios, pra durante os sonhos sempre poder me cobrir com um lençol de aura mítica e nunca mais precisar conhecer as pessoas tão de perto. Isolação!




Ricardo Magno