23 de agosto de 2010

MPB: a sigla medonha

Do rock à bossa nova até chegar à jovem guarda, mas antes, passando pelo fracasso das canções bossa-novistas gravadas em 1959, Roberto Carlos começava a entender a sofisticação maior da bossa nova à medida que ia descobrindo o dialogo popular que o “rock” mantém com o povo. Assim ele se tornou iê-iê-iê.
A guitarra elétrica na bossa nova, jamais! João Gilberto e toda sua trupe defendiam ferozmente a patente da bossa como tipicamente brasileira. Devido a sua origem, a guitarra representava uma invasão da cultura estrangeira na terra tupiniquim. E isso era inaceitável, musicalmente e harmonicamente falando. Assim destinada para milhões de brasileiros, a poesia jovem-guardista, nada intelectualizada com a maioria dos sucessos vindo de versões estrangeiras, mas com uma particular e cativante doçura, acabou ficando tachada de traidora da cultura nacional pela turma do “Desafinado”.
Dentro dessa análise sociocultural e artística de meados da década de 60, tão logo a questão entrou no ar, diversos expoentes da tradicional MPB e da intelectualidade oficial decidiram declarar “guerra” à jovem guarda. Num dos maiores “micos” da história da música brasileira, um grupo de artistas encabeçado por Elis Regina, Jair Rodrigues, Edu Lobo, Geraldo Vandré e MPB-4 (e com participação de um constrangido Gilberto Gil) foi às ruas em manifestação que ficou conhecida como a “Passeata contra as Guitarras Elétricas”. Mesmo apresentada como um protesto “contra a invasão da música estrangeira” a mobilização não atraiu artistas mais abertos, como Caetano Veloso e Nara Leão (que se recusou a participar). Em 1966, não havia o menor sinal do que poderia surgir. Porque existia um fosso entre a bossa nova e a jovem guarda. Entre o público, essa divisão também era bem definida: a bossa era ouvida por universitários, enquanto a jovem guarda agradava aos adolescentes e colegiais. Desde o início, o tropicalismo pareceu muito estimulante, mas Gil e Caetano ainda não sabiam claramente o que queriam. Então decidiram incrementar suas composições com uma roupagem que eles chamavam de “som universal”. Era este o termo, no começo.
Enquanto a jovem guarda era dissecada por sociólogos e psicólogos, o tropicalismo atraia a atenção dos poetas concretistas Augusto de Campos e Décio Pignatari, seus maiores divulgadores. O movimento passa a ser visto como uma continuidade não linear, do ciclo aberto por João Gilberto: “Eles deglutem, antropofagicamente, a informação do maior inovador da bossa nova. E voltam a por em xeque e choque toda a tradição musical brasileira, a bossa nova inclusive, em confronto com os novos dados do contexto universal”, dizia Augusto. Depois desse momento, a MPB (que, até então, significava apenas o tipo de música nacional produzida após a bossa nova, com influências nordestinas, como “Disparada”. Gal, Caetano e João na TV Tupi eram MPB “de verdade”. Ao rock, dali em diante, restavam as revistas underground como a nossa Rolling Stones pirata, sessões malditas em pequenos teatros e os festivais sob chuva em Saquarema. A nata da MPB deixara as revistas populares em direção aos recém-criados cadernos culturais. Era um fosso tão bobo quanto o que o tropicalismo havia fechado em 1968. Mas dessa vez não houve reação por parte destes, pois agora, eles estavam do lado comercialmente mais interessante e favorável do alambrado.
Esse processo de emepebização foi concluído em 1974, quando Guilherme Araújo reuniu os amigos exilados a Gal e Bethânia para o projeto Doces Bárbaros. Ali, sim, o sonho acabou para dar lugar aos anos 70 que temos na memória: tempos de muitos excluídos (Macalé, Torquato, Tom Zé, Arnaldo Baptista... a lista não tem fim), muitos malditos e muita/pouca MPB, seja lá o que essa abreviatura queira dizer.



Fonte: Revista Super Interessante especial história do rock

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