31 de agosto de 2010

O filho de Stálin




Somente em 1980 é que se soube da morte do filho de Stálin, Iakov. Prisioneiro de guerra na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, ele ficou num campo de concentração junto com oficiais ingleses. Tinham latrinas em comum.
O filho de Stálin sempre as deixava sujas. Os ingleses não gostavam de ver as latrinas sujas de merda, mesmo que fosse a merda do filho do homem mais poderoso do universo (e Stálin era). Chamaram-lhe a atenção. Ficou aborrecido. Repetiram as reclamações e o obrigaram a limpar as latrinas. Ele se zangou, vociferou, brigou.
Finalmente pediu uma audiência ao comandante do campo. Queria que ele fosse o árbitro da discussão. Mas o alemão estava muito convencido de sua importância para discutir a respeito de merda. O filho do Stálin não pode suportar a humilhação. Bradando aos céus atrozes palavrões russos, jogou-se contra a cerca de alta-tensão que cercava o campo. Deixou-se cair sobre os fios. Seu corpo, que nunca mais sujaria as latrinas britânicas, ficou ali dependurado.
O filho do Stálin não teve uma vida fácil. Foi concebido pelo pai com uma mulher que acabou sendo fuzilada por ele. O jovem Stálin era, portanto, ao mesmo tempo filho de Deus (pois seu pai era venerado como Deus) e amaldiçoado por ele. As pessoas tinham medo em dobro dele: podia fazer-lhes mal com seu poder (afinal, era o filho de Stálin) e com sua amizade (o pai podia castigar o amigo no lugar do filho repudiado).
A maldição e o privilégio, a felicidade e a desgraça, ninguém mais do que ele sentiu tão concretamente como estes opostos são permutáveis e como é estreita a margem entre dois pólos da existência humana.
Logo no início da guerra, foi capturado pelos alemães e acusado de porco por prisioneiros provenientes de uma nação que considerava incompreensivelmente fechada e pela qual sempre tivera uma antipatia visceral. Como podia ele, que carregava nos ombros o mais sublime drama que se possa imaginar (era, ao mesmo tempo, filho de Deus e anjo caído), ser julgado, e, ainda por cima, julgado por coisas que nada tinham de nobres (relacionadas com Deus e com os anjos), mas por uma questão de merda. O mais nobre dos dramas e o mais trivial dos acontecimentos estariam assim tão próximos?
Tão vertiginosamente próximos? Pode a proximidade causar vertigem?
É claro que sim. Quando o pólo norte se aproximar do pólo sul a ponto de tocá-lo, o planeta desaparecerá e o homem ficará num vazio que o atordoará e o fará ceder à sedução da queda.
Se a maldição e o privilégio são uma só e única coisa, se não existe diferença alguma entre o nobre e o vil, se o filho de Deus pode ser julgado por uma questão de merda, a existência humana perde suas dimensões e adquire uma insustentável leveza. Assim, o filho de Stálin corre para os arames eletrificados e neles se atira, como se jogasse o corpo no prato de uma balança que sobe, impiedosamente, levantado pela leveza infinita de um mundo que perdeu as dimensões.
O filho do Stálin perdeu a vida por merda. Mas morrer por merda não é morrer de modo absurdo. Os alemães que sacrificaram a vida para ampliar seu império em direção ao leste, os russos que morreram para que o poder de seu país se estendesse em direção ao oeste, esses, sim, morreram por uma tolice, e a morte deles é destituída de sentido, de qualquer valor geral. Em contrapartida, a morte do filho de Stálin foi a única morte metafísica em meio à tolice universal que é a guerra.

Texto extraido do livro A insustentavel Leveza do Ser; Milan Kundera

2 Comentários:

LuCiAnA disse...

coloca a fonte do seu texto, já q vc o copiou do livro "a insustentavel leveza do ser"...

seu tosco!

Ricardo Magno disse...

Mas este texto não tem a minha assinatura em negrito no canto direito da tela em fonte Monotype Corsiva, sua cretina! Presta atenção, ordinária!